quarta-feira, 4 de março de 2015

O fio do bigode

Mous
“A virtude está sempre no meio”. Certamente, o estimado leitor já ouviu ou leu esta frase – na verdade uma distorção da ideia aristotélica da virtude – uma centena de vezes. Trata-se de um dos chavões prediletos da esquerda relativista, usado amiúde para contrapor opiniões e conceitos emitidos por seus opositores ideológicos. O problema é que, antes de optar pelo mundo “cinzento” da moral, precisamos conhecer o que é preto e o que é branco. Isso quer dizer que precisamos conhecer o que é certo e o que é errado. E quando alguém sabe que uma alternativa é certa e a outra errada, não há justificativa plausível para escolher o meio termo. A falência de uma civilização está intimamente ligada à proliferação de valores inferiores, no lugar antes dominado pelos valores superiores. Quando os membros de uma sociedade passam a não mais distinguir entre o bem e o mal, o correto e o incorreto, o justo e o injusto, os parâmetros de conduta – princípios –, responsáveis pelo “regramento” das relações sociais, vão definhando até o ponto em que o barbarismo se instala. Não por acaso, a ética talvez seja, entre todas as instituições normativas – formais e informais – existentes numa sociedade, aquela que exerce maior influência na formação dos ambientes social, político e (o que nos interessa aqui) econômico.
Os bons economistas são quase unânimes em afirmar que instituições fortes, inequívocas e estáveis formam o arcabouço fundamental e necessário para a prosperidade econômica de uma sociedade. Na definição de Douglass North,
o desempenho econômico é função das instituições e de sua evolução. Juntamente com a tecnologia empregada, elas determinam os custos de transação e produção. As instituições constituem as regras do jogo numa sociedade; mais formalmente, representam os limites estabelecidos pelo homem para disciplinar as interações humanas (...). Um mercado eficiente é consequência de instituições que, em determinado momento, oferecem avaliação e execução contratuais de baixo custo.”
As transações econômicas nada mais são que pactos entre partes, que visam a adquirir, resguardar, transferir ou conservar direitos de propriedade. Independentemente do tipo de contrato, a expectativa implícita é sempre o cumprimento do acordo de vontades, já que, caso contrário, a contratação não faria nenhum sentido. Com efeito, em ambientes onde o imperativo ético não é regra, onde prevalece a desconfiança mútua entre os agentes, as relações interpessoais e, principalmente, as interações de natureza econômica se tornam difíceis e onerosas, desaguando finalmente num meio ambiente inóspito aos negócios.
Houve um tempo em que a palavra empenhada valia tanto ou mais que assinaturas e garantias formais. Ainda me lembro de uma expressão clássica, repetida amiúde pelo meu velho avô, para quem, um “fio do bigode” valia mais do que uma escritura recheada de avais e fianças. No Brasil de hoje, infelizmente, qualquer negócio deve ser precedido de extensos contratos escritos, elaborados por especialistas em contenciosos judiciais e coadjuvados por múltiplas garantias. Ainda assim, não há certeza de nada.
Além de onerar as transações comerciais com um altíssimo custo indireto, também chamado de “custo de transação”, o clima de desconfiança geral provoca também a perda de inúmeras oportunidades de negócios e investimentos. Para complicar as coisas, os nossos tribunais há muito não primam por resguardar os direitos reais das partes em conflito, especialmente porque a própria Constituição da República “relativiza” o direito de propriedade, vinculando-o a uma tal “função social”, cujo critério de aplicação deve ser definido pela autoridade de plantão, não raro baseado na situação econômica das partes.
O resultado da união entre a decadência ética e a imprevisibilidade jurídica é perverso e, pouco a pouco, vai minando a economia do país. O que nos falta não são leis objetivas, que abundam no Brasil. A simples existência da lei, no entanto, não garante integridade às relações sociais, especialmente às econômicas. Sem valores éticos superiores e princípios fortes a reger a conduta individual, de nada vale um arcabouço interminável de normas escritas. De que adianta constar na lei que fraude e estelionato são crimes, se no íntimo de cada um não representam algo nocivo? Se para o senso comum são coisas que todo mundo faz?
Aristóteles dizia que as virtudes não são plantadas em nós pela natureza, mas são produto do hábito. O comportamento humano, por seu turno, é influenciado por estímulos e incentivos produzidos pelo ambiente social. Assim, se o meio é propício ao vício, se a deformação moral é incentivada, se não criamos as condições necessárias para que o procedimento ético seja regra e não exceção, estamos fadados ao subdesenvolvimento.
 Matéria extraída do website do Instituo Ordem Livre

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