Hoje vi um caminhão do município com homens na caçamba. E a multa por falta de cinto? É para quem usa carro...
Por Klauber Cristofen Pires
Hoje flagrei - só mais uma dentre tantas vezes - um caminhão de limpeza do município de Belém carregando trabalhadores na caçamba. Desta vez foi algo um pouco mais especial, só pelo fato de que ambos, o caminhão e o meu veículo, cumprimos coincidentemente um mesmo trecho razoavelmente longo, de forma que inequivocamente pasamos por vários guardas de trânsito.
Sobre o caso do caminhão de limpeza alguém pode argumentar que se trata de uma óbvia distração, e que a falta de ação dos guardas de trânsito foi motivada por desleixo ou prevaricação. Sim, é claro, não duvido disso. Pelo contrário, aponto justamente aí o fato, isto é, um desleixo seletivo ou uma prevaricação seletivos. Sim, porque não duvido, nem por um "tiquinho" sequer, que se eu estivesse sem o cinto de segurança a multa me seria relevada, mesmo instalado em um carro que contém air bags, barras de segurança laterais, cabine de sobrevivência, deformação progressiva e o escambau. Dura legis sed legis! A lei é dura mas é a lei!
Como servidor público eu sei muito bem como funciona o sistema: o guarda zeloso que lançar a multa contra o veículo de quem lhe paga o salário será chamado a uma sala, onde receberá um elogio e uma recomendação. Se ele não tiver entendido bem o recado, as promoções passarão a ficar mais difíceis, ou será alocado nos locais de trabalho menos favorecidos, ou quem sabe, por até mesmo um dia ser acusado num processo administrativo disciplinar, digamos assim, por abuso de autoridade ou cobrança de propina contra um cidadão qualquer...
São até para coisinhas assim, do dia a dia, que mantenho a minha atenção para a sanha interventiva estatal. O que pretendo chamar aqui a atenção do leitor é para os desvios da ordem que um pretenso preciosismo legiferante provoca e que nos conduzem freqentemente a situações do tipo reductio ad absurdum (contradições absurdas).
Por exemplo: qual a lógica que permite aos ônibus coletivos enlatar dezenas de pessoas em pé, e que assim correm muito maior perigo do que alguém que está sentada confortavelmente em um automóvel? Ou ainda: qual opção de transporte você considera mais perigosa? Locomover-se em um carro sem usar o cinto de segurança ou andar de moto com o capacete?
Estou eu a fazer uma apologia a favor da extinção do uso do cinto de segurança? Por favor, contenham os ânimos os sonsos de plantão. Claro que não. O que digo é que este dispositivo deveria estar à disposição do usuário do veículo. Ele é a maior autoridade no assunto. Ele é quem deve decidir se deve ou não usar um dispositivo pelo qual pagou espontaneamente.
Só para deixar claro: foi a iniciativa privada quem inventou o cinto de segurança, e não os governos, que só fizeram instaurar a obrigatoriedade. Para ser mais exato, os governos primeiramente olharam para o cinto com desconfiança, atribuindo a ele uma certa confissão tácita por parte das montadoras de que seus carros não seriam seguros. O mesmo aconteceu com os air bags. Foi o mercado que o criou, mas diversos governos depois instituíram sua compulsoriedade, e o Brasil, salvo engano, já estipulou o mesmo. Chegará o dia em que o mercado criará algo ainda mais arrojado, como um campo de força magnético, e lá estará o ogro de novo, obrigando a todos, chutando a porta da viabilidade econômica progressiva, como se o primeiro fordeco produzido no mundo já tivesse de tê-lo instalado lá pelos anos vinte do século passado...
A obrigatoriedade do cinto de segurança foi estabelecida com base em uma estatística que disse que em um determinado número de acidentes uma maioria de usuários que se salvou fazia uso de tal dispositivo. Não vou aqui aventar se todas estas pessoas se salvaram como decorrência direta de o terem em si fixado, nem colocar em dúvida os números. O que vou argumentar é que um determinado número de ocupantes, embora minoritário, salvou-se exatamente porque não usava o cinto. Já li depoimentos de casos assim: trata-se de pessoas que caíram em rios ou que escaparam de incêndios em seus veículos, por exemplo.
Quando os governos nos impõem leisdesta natureza, eles desprezam todas as situações particulares que somente os indivíduos têm condições de julgar. O governo assim age porque não se preocupa com pessoas, mas com números: que se danem aqueles que vão morrer afogados ou queimados: representam uma minoria e não irão causar um impacto significatico no orçamento da saúde pública, que oportunamente falando, foi o próprio governo quem instituiu para si tal "obrigação" (ou, pensando bem, "reserva de poder"). Da minha parte, digo: abro mão de uma e de outra!
Vamos retomar o raciocínio dos absurdos: por favor, alguém me responda o que deve ser feito se uma pessoa for flagrada por um guarda de trânsito no momento em que salvara-se de um veículo justamente por não ter utilizado o dito dispositivo: deverá ser multada? Ou deverá retornar ao interior do mesmo, atar-se a ele e arder em chamas, enquanto espera por socorro?
No Brasil, geralmente prevalece uma aceitação geral por parte do povo. Não é somente em relação ao cinto de segurança, mas com qualquer ato interventivo: pode ser a proibição de cães, do cigarro, de vender carne sem refrigerador, de obrigar feirantes pobres a adquirir caras balanças eletrônicas, de instalar pontos eletrônicos que emitam comprovantes impressos, etc. De certa forma, isto tem um bom antecedente oriundo dos costumes: o brasileiro aprova a ordem como a atmosfera necessária para o funcionamento azeitado da sociedade. O que acontece é que ele não sabe distinguir da ordem que nos permite viver em paz e liberdade daquele simulacro que nos confina, explora e que ao contrário do que se espera, provoca mais desordem.
Esta distorção que você aponta vem de uma distorção anterior, que talvez você aprove: a saúde pública. Saúde deveria ser privada, governo algum deveria se meter nisso. Explico: o que leva o governo a obrigar o uso de cinto de segurança (entre tantos outros casos) é que é comprovado estatisticamente que quem usa tem maior chance de se salvar ou ter menos ferimentos em caso de acidente, onerando menos o sistema de saúde pública. Se cada um pagasse a sua conta de saúde, não haveria propósito algum nesta obrigação, e acredito que aí realmente seria problema de cada um se usa cinto, se usa capacete, etc. Do jeito que é, é problema de todos, porque é do bolso do contribuinte que sai o dinheiro para o atendimento do acidentado.
ResponderExcluirSe o cinto de segurança fosse tão bom para os passageiros quanto pretendem os guardiões da lei que o fez obrigatório, os passageiros o usariam por vontade própria, não sendo necessário obrigá-los a isso. Tratando-se da segurança pessoal, cada um poderia e deveria tomar as precauções que achasse necessárias, dispensando as obrigatoriedades. Então, porque o uso do cinto é obrigatório? Porque tanto empenho em fazer cumprir esta lei? Se os ocupantes dos veículos não precisam dela para se protegerem, quem são os verdadeiros beneficiados? Ou será que os nossos “anjos da guarda” consideram que somos incapazes de cuidarmos de nós mesmos?
ResponderExcluirExtranhamente, um assunto tão polêmico como este, raras vezes é debatido em público ou nas conversas entre amigos. De fato, não dá para negar que o Brasil continua sendo Um País de Tolos.