segunda-feira, 23 de abril de 2012

O ministro Marco Aurélio agora vive no Brasil do faz de conta que desmascarou no corajoso discurso de maio de 2006



A versão 2006 de Marco Aurélio era bem melhor que o modelo deste ano
De maio de 2006 para cá, o viveiro de corruptos impunes radiografado nos parágrafos acima não parou de crescer. O Brasil mudou para pior. E Marco Aurélio Mello, pelo que anda dizendo sobre o mensalão, mudou-se para o país do faz de conta.
Depois de informar que não enxerga diferenças entre o processo do mensalão e outros 700 estacionados na fila de espera do Supremo Tribunal Federal, o ministro Marco Aurélio Mello recitou a bravata: “Não devemos ceder à turba, que quer justiçamento, e muito menos à pressão política, que tenta adiar o julgamento”. (Quem tenta protelar o desfecho do grande escândalo é a turma envolvida na bandidagem, com a ajuda dos padrinhos. Os gritos da turba sedenta de sangue só o ministro ouviu).

Amparado nesse palavrório anêmico, Marco Aurélio caprichou na pose de presidente do Tribunal do  Juízo Final, sublinhou a expressão intrigada com duas rugas perplexas e soltou a pergunta espantosa: “Por que pinçar o processo do mensalão e julgar a toque de caixa?” O Marco Aurélio sem pressa para encerrar um caso há sete anos em busca de algum desfecho deveria aconselhar-se com a versão 2006 de Marco Aurélio. Foi esse o modelo que, ao assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, lavou a alma do Brasil decente com um discurso irretocável. Leiam o que disse o ministro no pronunciamento que descreveu o país do faz-de-conta:
O PAÍS DO FAZ DE CONTA

Infelizmente, vivenciamos tempos muito estranhos, em que se tornou lugar-comum falar dos descalabros que, envolvendo a vida pública, infiltraram na população brasileira ─ composta, na maior parte, de gente ordeira e honesta ─ um misto de revolta, desprezo e até mesmo repugnância. São tantas e tão deslavadas as mentiras, tão grosseiras as justificativas, tão grande a falta de escrúpulos que já não se pode cogitar somente de uma crise de valores, senão de um fosso moral e ético que parece dividir o País em dois segmentos estanques ─ o da corrupção, seduzido pelo projeto de alcançar o poder de uma forma ilimitada e duradoura, e o da grande massa comandada que, apesar do mau exemplo, esforça-se para sobreviver e progredir.

Não passa dia sem depararmos com manchete de escândalos. Tornou-se quase banal a notícia de indiciamento de autoridades dos diversos escalões não só por um crime, mas por vários, incluindo o de formação de quadrilha, como por último consignado em denúncia do Procurador-Geral da República, Doutor Antônio Fernando Barros e Silva de Souza. A rotina de desfaçatez e indignidade parece não ter limites, levando os já conformados cidadãos brasileiros a uma apatia cada vez mais surpreendente, como se tudo fosse muito natural e devesse ser assim mesmo; como se todos os homens públicos, nas mais diferentes épocas, fossem e tivessem sido igualmente desonestos, numa mistura indistinta de escárnio e afronta, e o erro passado justificasse os erros presentes.
A repulsa dos que sabem o valor do trabalho árduo se transformou em indiferença e desdém. E seguimos como se nada estivesse acontecendo. Perplexos, percebemos, na simples comparação entre o discurso oficial e as notícias jornalísticas, que o Brasil se tornou um país do faz-de-conta. Faz de conta que não se produziu o maior dos escândalos nacionais, que os culpados nada sabiam ─ o que lhes daria uma carta de alforria prévia para continuar agindo como se nada de mal houvessem feito. Faz de conta que não foram usadas as mais descaradas falcatruas para desviar milhões de reais, num prejuízo irreversível em país de tantos miseráveis. Faz de conta que tais tipos de abusos não continuam se reproduzindo à plena luz, num desafio cínico à supremacia da lei, cuja observação é tão necessária em momentos conturbados.
Se, por um lado, tal conduta preocupa, porquanto é de analfabetos políticos que se alimentam os autoritarismos, de outro surge insofismável a solidez das instituições nacionais. O Brasil, de forma definitiva e consistente, decidiu pelo Estado Democrático de Direito. Não paira dúvida sobre a permanência do regime democrático. Inexiste, em horizonte próximo ou remoto, a possibilidade de retrocesso ou desordem institucional. De maneira adulta, confrontamo-nos com uma crise ética sem precedentes e dela haveremos de sair melhores e mais fortes. Em Medicina, “crise” traduz o momento que define a evolução da doença para a cura ou para a morte. Que saiamos dessa com invencíveis anticorpos contra a corrupção, principalmente a dos valores morais, sem a qual nenhuma outra subsiste.
Nesse processo de convalescença e cicatrização, é inescusável apontar o papel do Judiciário, que não pode se furtar de assumir a parcela de responsabilidade nessa avalancha de delitos que sacode o País. Quem ousará discordar que a crença na impunidade é que fermenta o ímpeto transgressor, a ostensiva arrogância na hora de burlar todos os ordenamentos, inclusive os legais? Quem negará que a já lendária morosidade processual acentua a ganância daqueles que consideram não ter a lei braços para alcançar os autoproclamados donos do poder? Quem sobriamente apostará na punição exemplar dos responsáveis pela sordidez que enlameou gabinetes privados e administrativos, transformando-os em balcões de tenebrosas negociações?
Essa pecha de lentidão recai sobre o Judiciário injustamente, já que não lhe cabe outro procedimento senão fazer cumprir a lei, essa mesma lei que por vezes o engessa e desmoraliza, recusando-lhe os meios de proclamar a Justiça com efetividade, com o poder de persuasão devido. Pois bem, se aqueles que deveriam buscar o aperfeiçoamento dos mecanismos preferem ocultar-se por trás de negociatas, que o façam sem a falsa proteção do mandato. A República não suporta mais tanto desvio de conduta.
Ao reverso do abatimento e da inércia, é hora de conclamar o povo, principalmente os mais jovens, a se manifestar pela cura, não pela doença, não pela podridão do vale-tudo, que corrói, com a acidez do cinismo, a perspectiva de um futuro embasado em valores como retidão, dignidade, grandeza de caráter, amor à causa pública, firmeza de propósitos no empenho incondicional ao progresso efetivo, e não meramente marqueteiro, do País. Ao usar a voz da urna, o povo brasileiro certamente ouvirá o eco vitorioso da cidadania, da verdade ─ que, sendo o maior dos argumentos, mais dia, menos dia, aparecerá.
Àqueles que continuam zombando diante de tão simples obviedades, é bom lembrar que não são poucos os homens públicos brasileiros sérios, cuja honra não se afasta com o tilintar de moedas, com promessas de poder ou mesmo com retaliações, e que a imensa maioria dos servidores públicos abomina a falta de princípios dos inescrupulosos que pretendem vergar o Estado ao peso de ideologias espúrias, de mirabolantes projetos de poder. Aos que laboram em tamanhas tolices, nunca é demais frisar que se a ordem jurídica não aceita o desconhecimento da lei como escusa até do mais humilde dos cidadãos, muito menos há de admitir a desinformação dos fatos pelos agentes públicos, a brandirem a ignorância dos acontecimentos como tábua de salvação.
Incumbe a cada eleitor perceber que o voto, embora individualizado, a tantos outros se seguirá, formando o grande todo necessário à escolha daqueles que o representarão. Impõe-se, nesse sagrado direito-dever, a conscientização, a análise do perfil, da vida pregressa daqueles que se apresentem, é de presumir – repito – para servir com honestidade de propósito e amor aos concidadãos, dispostos, acima de tudo, a honrar a coisa pública.
O Judiciário compromete-se com redobrado desvelo na aplicação da lei. Não haverá contemporizações a pretexto de eventuais lacunas da lei, até porque, se omissa a legislação, cumpre ao magistrado interpretá-la à luz dos princípios do Direito, dos institutos de hermenêutica, atendendo aos anseios dos cidadãos, aos anseios da coletividade. Que ninguém se engane: não ocorrerá tergiversação capaz de turbar o real objetivo da lei, nem artifício conducente a legitimar a aparente vontade das urnas, se o pleito mostrar-se eivado de irregularidades. Esqueçam, por exemplo, a aprovação de contas com as famosas ressalvas. Passem ao largo das chicanas, dos jeitinhos, dos ardis possibilitados pelas entrelinhas dos diplomas legais. Repito: não haverá condescendência de qualquer ordem. Nenhum fim legitimará o meio condenável. A lei será aplicada com a maior austeridade possível – como, de resto, é o que deve ser. Bem se vê que os anticorpos de que já falei começam a produzir os efeitos almejados. Esta é a vontade esmagadora dos brasileiros.
Volto para o resumo da ópera. De maio de 2006 para cá, o viveiro de corruptos impunes radiografado nos parágrafos acima não parou de crescer. O Brasil mudou para pior. E Marco Aurélio Mello, pelo que anda dizendo sobre o mensalão, mudou-se para o país do faz de conta.

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