Do site da Veja
Em sua coluna de hoje, Verissimo apela para a vitimização dos povos latino-americanos, que seriam eternamente explorados pelos malvados colonizadores. Traça um paralelo entre um debate dos tempos de Colombo e os dias atuais, sobre a seguinte questão: índio é gente ou não? Tudo isso apenas para chegar a Allende e reforçar a mensagem de que as tentativas de romper este ciclo perverso acabam em golpe dos exploradores:
Afinal, os miseráveis do hemisfério são gente ou não são gente? Os bons sentimentos cristãos de Las Casas impediram que a divisão entre saqueadores e saqueados no continente se aprofundasse ou só serviram para encobrir o abismo com o manto da caridade inútil, que só satisfaz o caridoso? Por que será que todas as tentativas de romper esta maldição no hemisfério acabam em golpe ou farsa, com os eventuais insurgentes fazendo o mesmo papel de bichos exóticos que os nativos faziam diante dos colonizadores do século 16?
Conforme o adágio, não existe pecado abaixo da linha do Equador. Henry Kissinger, sem saber, fez uma adaptação geopolítica da frase quando disse que ninguém faz história no sul do mundo. O que é outra maneira de duvidar que aqui haja gente, ou pelo menos gente consequente.Talvez por modéstia, não se lembrou de dizer que quando aparece um decidido a não ser mais escravo, como Allende no Chile, é rapidamente abatido.
Allende era alguém decidido a não ser mais escravo? Allende, na verdade, era filho da burguesia de classe alta disposto a escravizar seu povo, isso sim. Um socialista que flertava com o modelo cubano, e que chegou a namorar ideias nazistas de eugenia em sua juventude. Um pouco de história para Verissimo:
O Partido Comunista Chileno é o mais antigo da América do Sul, e sempre foi altamente obediente ao Kremlin. O partido fundado por Salvador Allende era também declaradamente marxista. Em 1967, o seu Partido Socialista deu a seguinte declaração:
“O Partido Socialista como uma organização Marxista-Leninista propõe a tomada do poder como objetivo estratégico a ser conquistado por esta geração, para estabelecer um estado revolucionário que irá libertar o Chile da dependência econômica e cultural e iniciar o processo do socialismo. Violência revolucionária será inevitável e legítima. Constitui o único caminho para se chegar ao poder político e econômico. A revolução socialista poderá ser consolidada apenas destruindo-se as estruturas burocráticas e militares do estado burguês.”
O MIR, movimento revolucionário de esquerda similar as FARC e MST, era um corpo militar que defendia a tomada do poder pelos comunistas e socialistas. O sobrinho de Allende, Andres Pascal Allende, era um dos líderes de tal movimento. Outro pilar de sustentação das bases revolucionárias estava na Igreja Católica e sua teologia liberacionista, que acreditava na militância política como único meio de transmitir a mensagem divina.
Com esse conjunto de forças dando apoio, e mais promessas de respeito à Constituição que se mostraram mentirosas depois, em 1970 era eleito Salvador Allende para presidente. Em 1971, em uma entrevista, o novo presidente já deixava claro suas intenções, ao dizer que “nós precisamos expropriar os meios de produção que ainda estão em mãos privadas”. Disse também que “nosso objetivo é o socialismo marxista total e científico”.
Allende venceu as eleições com 36,5% dos votos, o que estava longe de ser considerado um maciço apoio popular. O primeiro aspecto de seu programa de governo foi um assalto às propriedades privadas agrícolas, na medida conhecida como tomas. As expropriações eram carregadas de violência, por bandos armados, normalmente membros do MIR. Várias vítimas foram assassinadas, e alguns morreram de ataques do coração ou se suicidaram. Entre novembro de 1970 e abril de 1972, quase duas mil fazendas foram tomadas por bandos armados.
Em seguida, Allende iniciou um programa de nacionalização de diversos setores da economia, como mineração e têxtil. Seu governo utilizou pequenas brechas na lei para infernizar a vida das empresas, e conseguir assim expulsar o capital estrangeiro do país. A liberdade de expressão também foi fortemente atacada, como em todos os países socialistas. Allende chegou a afirmar que “coisas são boas ou ruins dependendo se elas nos trazem para mais perto ou longe do poder”. Seu governo atuou diretamente e indiretamente contra jornais e estações de rádio não socialistas.
Foi criada uma instituição bizarra conhecida como “Corte do Povo”, onde juízes não treinados mas ligados às organizações de esquerda eram indicados. Seus poderes eram amplos, e batiam de frente com as leis já estabelecidas. Além disso, Allende criou, em 1971, sua própria Guarda Pessoal, a GAP, fortemente armada.
Todas essas medidas inconstitucionais, num país que respeitava sua Constituição desde 1925, fizeram com que o governo de Allende entrasse em conflito com a Suprema Corte. Vários casos eram questionados na justiça, mas Allende simplesmente ignorava as decisões da Corte. Ele chegou a dar a seguinte declaração em rede nacional: “Num período de revolução, a força política tem o direito de decidir em última instância se as decisões do judiciário se enquadram ou não nos objetivos e necessidades históricas de transformação da sociedade. Conseqüentemente, cabe ao Executivo o direito de decidir seguir ou não os julgamentos do judiciário”.
Em janeiro de 1972, o Congresso aprovou o impeachment do ministro de Interior por falhar na proteção dos direitos à propriedade e liberdade de expressão, apenas para vê-lo assumir a pasta de Ministro de Defesa. Em julho do mesmo ano, um novo ministro de Interior sofreu impeachment, mas foi apontado por Allende para um alto cargo administrativo. Em dezembro, o Ministro de Finanças também sofreu impeachment por ações ilegais contra trabalhadores em greve, mas foi transformado em ministro da Economia. O desrespeito de Allende às claras regras do jogo, à Constituição, ao Congresso e à Suprema Corte, era simplesmente total.
A crise econômica se alastrava de maneira assustadora no Chile de Allende. A hiperinflação atingiu mais de 500%, faltavam produtos nas prateleiras e o desemprego crescia rapidamente. No meio deste caos econômico, Carlos Matus, um dos ministros de Allende, disse que “o que é uma crise para outros representa uma solução para nós”.
O único setor que prosperou durante os anos de Allende foi o paralelo, o mercado negro. Assim como na URSS, a nomenklatura chilena, composta de pessoas ligadas ao governo e influentes, enriqueceu através da importação de produtos escassos no Chile. O dólar, que no mercado livre da era pré-Allende valia 20 escudos, atingiu 2.500 escudos em agosto de 1973. A produção agrícola caíra 23% e a mineral uns 30%. No Chile de Allende, reinava o caos econômico e social, fruto de um total desrespeito à ordem.
Allende, como podemos ver, era apenas o precursor de Chávez ou Maduro. Será que Verissimo acredita, ainda, que o bolivarianismo venezuelano é o grande grito de liberdade dos escravos oprimidos? Lamentável. Ainda mais quando lembramos de quem ele é filho.
Se Verissimo quiser citar alguém que realmente achava que ninguém era gente fora do mundo ariano, ele poderia citar Karl Marx. Ou seu companheiro Engels. Ambos, como comprova o cubano exilado Carlos Moore, adotavam uma visão eurocêntrica e até racista do mundo, julgando, como seu mestre Hegel, que fora da Europa nada era história.
Mas algo me diz que Verissimo não vai apontar o próprio Marx como ícone dessa visão racista e imperialista. Pois não é de seu interesse a verdade, e sim pregar o socialismo fracassado, apelar para a vitimização dos povos oprimidos para condenar os ianques e defender os marxistas. Logo os marxistas, que nunca viram nada de errado com a escravidão…
Em tempo: quem enxerga índio e pobre como bicho exótico de zoológico é justamente a esquerda caviar da qual Verissimo faz parte. Eles existem apenas como mascotes para seu regozijo pessoal, para que se sintam as almas mais puras e abnegadas que já surgiram no planeta.
Rodrigo Constantino
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