A mais que necessária construção da usina hidrelétrica de Belo Monte está mais para virar uma quimera do que algo concreto. Já se vão mais de trinta anos desde que a idéia inicial sobre o seu erguimento, e até agora pouquíssima coisa saiu do papel. Pelo jeito, esta obra passará a eternidade de defendendo judicialmente de ações promovidas por grupos ambientalistas e reivindicatórios, mesmo depois de pronta.
Em Belém, como no país todo, a cada dia são mais constantes e duradouros os apagões, a sinalizar que as empresas distribuidoras estão provavelmente promovendo um rodízio entre os bairros em face da falta de oferta de energia elétrica. Um amigo meu que trabalha na área me disse que meu palpite acertou em cheio.
Dada a tecnologia economicamente viável e disponível, não há melhor solução para o Brasil do que a energia proveniente da força das águas fluviais, ainda com imenso potencial e incontestavelmente mais seguras do que a energia nuclear, vide o caso japonês. Ademais, estas plantas têm gerado inúmeros benefícios gerais, tais como lagos piscosos e rios navegáveis.
Entretanto, movimentos tais como os indigenistas e o conhecido como "Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB" têm antes de tudo motivações ideológicas de matriz socialista, de forma que suas ações visam obstar as obras a qualquer preço e sob qualquer pretexto. Agem com espírito de militância e somente se aquietarão mediante uma ordem desde cima das suas lideranças. Curioso, contudo, que estejam a se insurgir contra o partido que os criou, que acoberta as suas ações perante as instituições e a opinião pública e que os alimenta com farto dinheiro público. Neste mato tem chantagem...
Tanto barulho, porém, ainda não acaba aí: adicionemos a todo este alvoroço o pronunciamento de várias celebridades mundiais, tais como o ex-presidente Bill Clinton, o ator e ex-governador da Califórnia Arnold Schwarzenegger e o cineasta James Cameron, aquele que misturou “Dança com Lobos” com “Fairytopia” para criar o "Avatar", além da auto-legitimada intervenção recentemente protagonizada pela OEA - Organização dos Estados Americanos - e corramos logo ao supermercado para nos municiarmos com velas e lampiões.
Vamos raciocinar um pouco sobre tudo isto? Perceba o leitor como algo que é relativamente simples em sua concepção - a construção de uma obra - acaba se transformando na panela do feijão onde cada um - mesmo quem é de fora - vem para adicionar o seu tempero. Se é que esta feijoada um dia ficará pronta, quem é que vai se aventurar a apreciá-la tão condimentada e salgada?
Aqui temos, portanto, um caso clássico do democratismo, o que seja, a deturpação da democracia representativa, esta fundada originalmente sobre o princípio da subsidiariedade e o respeito ao direito de propriedade e às demais garantias individuais. Como resultado da vontade pura da maioria, mas que na prática se orienta pela força dos grupos de pressão mais influentes ou hierarquicamente superiores, representa nada mais do que a proposta de democracia direta à moda assembleísta, tão cara segundo a propaganda petista-esquerdista-socialista-comunista, neste estágio de transição para um modelo final em que todas as convenções sejam enfim enfeixadas de acordo com a vontade de um único grande líder. Definindo-o com precisão, é o modelo onde todos podem dar a sua voz sobre qualquer coisa - exceto o dono original desta - até mesmo em nome daqueles que nem sequer ainda nasceram.
Em Belém, dois grandes shopping-centers estão sendo anunciados para o ano vindouro. À sua maneira, são obras grandiosas, que ocuparão uma área relativamente extensa de terreno, e que gerarão uma complexa teia de oferta de bens e serviços. Há também o surgimento de alguns condomínios horizontais, cuja ocupação de área seja, quiçá, ainda maior. Mesmo assim, tal como os semelhantes que têm sido levantados Brasil afora, salvo alguma exceção, os cronogramas estão sendo cumpridos, de modo que as plantas serão inauguradas nas datas previstas e principalmente, tais empreendimentos não darão nascimento a nenhum movimento ao estilo do "Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB", pelo único motivo de que os terrenos foram adquiridos mediante contrato voluntário celebrado espontaneamente entre as partes.
Mundo afora, é possível apontar complexos privados ainda maiores do que os citados acima. Vejamos, por exemplo, o caso da Disneylândia, que requereu uma audaciosa estratégia para a compra de uma extensa área então pertencente a muitos proprietários diferentes. Todos receberam o que consideraram justo. Ninguém foi desapropriado, expropriado ou "enxotado". A própria ilha de Manhattan foi comprada por um punhado de garrafas de rum e James H. Hill, um homem de origem humilde, rasgou o solo americano com a sua companhia ferroviária Great Northern Railroad, espalhando prosperidade por onde passava .
Em nenhum destes casos houve algum motivo para reivindicações futuras, nem sobre o destino que seria dado àquelas terras pelos novos donos. Muito pelo contrário, em contraposição à companhia totalmente privada retrocitada, as empresas ferroviárias estatais expropriavam as terras dos fazendeiros nos pontos que lhes eram mais nobres e estratégicos, muitas vezes dividindo as suas propriedades ao meio, e além disso, seus funcionários costumavam roubar madeira, gado e equipamentos e ferramentas para a construção de dormentes, alimentação e uso dos mesmos nas obras da linha, respectivamente.
Portanto, embora estes movimentos - os atingidos por barragens e os indigenistas - encontrem a sua razão de ser primordialmente no afã de servir como inocentes úteis a um leque de causas às quais repudiariam com veemência caso descobrissem suas verdadeiras intenções para com eles mesmos, resta um fundo de legitimidade em suas reivindicações, eis que estão sendo removidos de suas terras por atos de desapropriação derivados do jus imperis estatal.
Isto nos leva à seguinte indagação: qual será a fundamentação que legitima o ato coercivo governamental? Terá ela origem ética ou utilitarista? A concepção de que o interesse público deve aprioristicamente sobrepor-se ao privado indica claramente a opção pela segunda alternativa, mas notemos como é falaciosa, desde que os direitos fundamentais individuais, entre os quais o direito de propriedade - embora endereçados a cada um dos cidadãos - também preenchem o requisito de serem coletivos, já que servem ou deveram servir, justamente, a todos os cidadãos.
Se pudermos imaginar o conflito entre os direitos individuais e o chamado interesse público como os pontos extremos de um reostato, poderíamos visualizar que, ajustando o botão de ajuste (cursor) para o primeiro, qualquer obra construída para atender ao público satisfaria não somente os interesses individuais, mas também o bem comum. À medida que vamos deslocando o cursor para o interesse público, vamos percebendo como mais e mais cidadãos vão sendo injustiçados, até o momento máximo onde se espera que o interesse público seja máximo, embora em devida proporção, absolutamente nenhum cidadão esteja satisfeito com tal medida.
Óbvio está que nem em imaginação este reostato poderia existir, já que nos deparamos aqui com um paradoxo aparentemente insolúvel, isto é, um máximo de interesse público construído em detrimento da totalidade de insatisfação dos pertencentes a uma comunidade. Ainda assim, isto acontece na prática, e muito, mas será o leitor apto a reconhecer qual o porquê? A resposta repousa na ilusão de ótica (ou de ouvido) que a palavra "interesse público" suscita, já que quem se vale dela é, via de regra, uma só pessoa falando em nome de todas as demais, quantas tantas vezes sem um pingo de representatividade real!
Não foi em vão que nenhuma entidade privada decidiu evitar pôr os pés no consórcio de Belo Monte. Aquilo não cheira nem de longe a um empreendimento voluntário, pacífico, justo, ordeiro e inteira e mutuamente benéfico, mas da contraposição de agentes que se valem, cada um à sua maneira, da força. O resultado é este que vemos...
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