segunda-feira, 11 de abril de 2011

Anarquismo Dionisíaco (29/06/70)

Por Eugênio Gudin Filho*
Encaminhado por Ricardo Bergamini

Em recente artigo (18 de maio último) sobre a participação da juventude no desafio aos alicerces da civilização, eu atribuía, em grande parte, essa participação ao culto, generalizado nos últimos 25 anos, da preservação da personalidade da criança e do adolescente contra a erosão resultante dos métodos de formação e de educação, até então adotados. Esta preservação da personalidade, e portanto da animalidade não corrigida, dá lugar, dizia eu, a um maior coeficiente de agressividade da juventude, fenômeno que se exacerba com o declínio da autoridade paterna e da influência religiosa.

Leio agora em três trabalhos de autores ilustres, mas de origem e formação diversas, a observação coincidente de que os membros da rebeldia negativista e contestatória da juventude universitária não se recrutam nas classes menos favorecidas e sim entre filhos da burguesia abastada.

O Prof. Nisbet, de sociologia, da Universidade de Berkely (um dos maiores focos da insubordinação estudantil), diz, em um dos últimos números da conhecida revista Encounter, que é “caracteristicamente nos estudantes da classe média” que se encontra a grande maioria dos negativistas e que “os atos de vandalismo e destruição desses inconformados” não tem origem em qualquer idealismo e sim “no sentimento de tédio” que domina esses adolescentes.

Em outro interessante estudo do distinto escritor uruguaio Alphonse Max, sobre os tupamaros do Uruguai, diz o autor que esses grupos subversivos, cujo núcleo é formado de criminosos e bandidos profissionais entrosados como mercenários no serviço dos partidos, atraem para si “elementos complexados da burguesia” enfastiados da frustração que os aflige. Os “Complexos dos filhos da alta burguesia”, sentindo consciente ou inconscientemente a segurança e o amparo que lhes dá a situação econômica de seus pais e liberados da preocupação de ganhar a vida e estudar, aderem à boemia politizada de uma esquerda festiva, enquanto alegam defender as classes subprivilegiadas, cuja vida eles na realidade não conhecem. A violência é para eles uma forma de escape ao tédio que os aflige.

A leitura de Mão, Che Guevara ou Marcuse, além de ser muito menos árdua do que o estudo das ciências ou da matemática, proporciona-lhes no meio universitário uma notoriedade que de outra forma nunca conseguiriam.

Nos Estados Unidos, lê-se, em outro estudo de uma grande revista americana, que esse gênero de vida se associa invariavelmente ao uso da marijuana e ao hábito externo dos hippies, cuja personalidade não vai além dos predicados capilares e indumentários, que se descaracterizam pela generalização.

Na já celebre reunião de Bethel (Estado de Nova York), diz o autor, 90% dos participantes faziam uso de entorpecentes e uma boa metade era composta de “estudantes da média e alta burguesia”.

A aglomeração de Bethel, acrescenta o ensaio, exibiu em larga escala ao mundo “os valores e estudos de vida” dos hippies, desde a indumentária psicodélica até a nudez desabusada e a prática, sem qualquer recato, dos atos sexuais, tudo acompanhado dos batuques do rock and roll.

O perigo dessa anticultura caracteriza-se por seu proclamado desprezo pela racionalidade, pela exaltação do indivíduo contra a sociedade e por suas manifestações de um anarquismo dionisíaco que nada mais é do que um primitivismo imbecil e despudorado.

Fica-se então a pensar que espécie de civilização se poderá esperar dessa gente. Seu divertimento consiste no prazer da baderna, do chahut, como a chamam os franceses, de depredar móveis e objetos, e de instalar-se nos gabinetes dos reitores, com os pés na mesa e os papéis pelo chão.

No esforço daqueles que, como eu, tentam, talvez por ingenuidade, buscar a substância e o sentido dessas manifestações dos contestatários, é interessante notar a convergência das opiniões de três escritores de formação e nacionalidades diversas, sobre o fato de ser filhos da burguesia abastada que se encontra o maior suprimento desses curiosos exemplares do gênero humano, que vivem à cata de excentricidade como meio de notoriedade.

*Eugênio Gudin Filho (Rio de Janeiro, 12 de julho de 1886 - Rio de Janeiro, 24 de outubro de 1986) foi um economista brasileiro, ministro da Fazenda entre setembro de 1954 e abril de 1955, durante o governo de Café Filho.

Formado em Engenharia Civil em 1905 pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, passou a interessar-se por Economia na década de 1920. Entre 1924 e 1926, publicou seus primeiros artigos sobre Economia em O Jornal, do Rio de Janeiro.

Em 1944, o então ministro da Educação, Gustavo Capanema, designou Gudin para redigir o Projeto de Lei que institucionalizou o curso de Economia no Brasil. Nesse mesmo ano, foi escolhido delegado brasileiro na Conferência Monetária Internacional, em Bretton Woods, nos Estados Unidos, que decidiu pela criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (Bird)

Durante os sete meses em que foi ministro da Fazenda (1954-1955), promoveu uma política de estabilização econômica baseada no corte das despesas públicas e na contenção da expansão monetária e do crédito, o que provocou a crise de setores da indústria. Sua passagem pela pasta foi marcada, ainda, pelo decreto da Instrução 113, da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), que facilitava os investimentos estrangeiros no país, e que seria largamente utilizada no governo de Juscelino Kubitschek. Foi por determinação sua também que o imposto de renda sobre os salários passou a ser descontado na fonte.

Ricardo Bergamini
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