Em 2007, escrevi um outro artigo sobre o problema das licitações no Brasil, "O país do VU", do qual cito este trecho: "Imagine-se que uma nova lei viesse a exigir que e empresa demonstrasse que seus produtos foram produzidos pela comunidade quilombola de Sei-Lá-Onde, ou que metade de seu quadro de funcionários deva ser formado por negros ou deficientes físicos, ou que seu processo de fabricação somente utiliza insumos que não agridam a natureza... (já começo a temer dar idéias...)."
Terei sido profético, mais uma vez?
O crescimento lêvedo da participação do estado na economia tem gerado para este um poder muito além dos âmbitos meramente político e administrativo, a proporcionar-lhe gradativamente os meios coativos mais impensáveis de imposição e controle de sua vontade por sobre o cidadão comum.
Terei sido profético, mais uma vez?
O crescimento lêvedo da participação do estado na economia tem gerado para este um poder muito além dos âmbitos meramente político e administrativo, a proporcionar-lhe gradativamente os meios coativos mais impensáveis de imposição e controle de sua vontade por sobre o cidadão comum.
De certa feita eu soube de um comerciante que se negava terminantemente a fornecer para o governo, de qualquer esfera que fosse, federal, estadual ou municipal. "- É para o governo? Diga que não o atenderemos", assim ele dizia. Claro, isto foi há uns tantos anos. Atualmente, com o gigantismo estatizante a apoderar-se avidamente dos recursos dos particulares, não há mais empresário que não vá ajoelhar-se diante do altar das licitações públicas, isto é se não quiser assistir da janela do seu estabelecimento os seus concorrentes acudirem sôfregos aos editais, e prosperarem agradecidamente a ele pelo seu WO.
As licitações públicas têm o poder de proporcionar vendas em quantidades colossais, dignas de um esforço de guerra. É a salvação do faturamento de qualquer empresa, às vezes por anos inteiros. Some-se a isto a frouxa fiscalização que aceita qualquer bem ou serviço mal e porcamente, e temos aí uma verdadeira indústria da licitação pública, a invadir o mercado com canetas que não escrevem, cartuchos que não imprimem, veículos fora de linha encalhados e por aí afora. As licitações públicas tornaram-se tão influentes que muitos bens são desenvolvidos e oferecidos justamente para participar destes certames.
Com uma parcela significativa do mercado em suas mãos, tornou-se praticamente irresistível ao estado furtar-se à tentação de fazer amplo uso das licitações como instrumento de suas políticas, ocasionando com tal opção grande prejuízo à eficiência da administração pública, eis que cada excentricidade adicionada aos editais gera a necessidade de um controle e a oportunidade para impugnações e recursos, tanto no âmbito administrativo quanto no judiciário. Não é por outra razão que todas as obras para a copa de 2014 mal saíram do papel e não inspiram previsões melhores para os poucos três anos que restam.
Contudo, a copa e as olímpíadas que vão para a sala dos troféus da incompetência estatal brasileira, conjuntamente com aquelas malfadadas naus encomendadas pelo governo FHC para comemorar os quinhentos anos do descobrimento. Perturbam-me, isto sim, os investimentos em melhorias de que o povo realmente necessita e que vão ficando à margem dos noticiários: são as estradas, o sistema elétrico, o sistema de água e esgoto, os hospitais e as escolas públicas em estado de completo abandono, as polícias deixadas em estado de obsolescência e assim por diante.
A lei de licitações, qual seja, a de n 8.666/93, já nasceu eivada de flagrantes inconstitucionalidades, principalmente a de ferir o princípio federativo, por produzir seu texto com um conteúdo exaustivamente casuísta, quando deveria estabelecer princípios gerais a serem definidos pelos estados e municípios, e especialmente por introduzir exigências textualmente proibidas pela Constituição Federal de 1988, que em seu art. 37, inc. XXI, proíbiu expressamente a instituição de exigências outras que não as de capacidade técnica e econômica, e mesmo assim, que estas sejam apenas as indispensáveis à garantia de cumprimento das obrigações: "Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações." (Grifos nossos).
Vejamos como se pronuncia a ilustre jurista Maria Sylvia Zanella di Pietro (1) quanto à matéria:
"O que não parece mais exigível, a partir da Constituição de 1988, é a documentação relativa à regularidade jurídico-fiscal, ou seja, prova de inscrição no cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC*), prova de incrição no cadastro de contribuintes estadual ou municipal, e prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal, pois isto exorbita do que está previsto na Constituição; além disso, não se pode dar à licitação - procedimento já bastante complexo - o papel de instrumento de controle de regularidade fiscal, quando a lei prevê outras formas de controle voltadas para essa finalidade". (*O CGC hoje é o CNPJ).
Além desta excrecência jurídica que ainda nenhum jurista me soube explicar porquê ainda não foi derrubada por uma ADIN - Ação Direta de Inconstitucionalidade, outras bizarrices também passaram a ser exigidas, tais como obrigar os participantes a declarar que não empregam menores de 18 anos, e à Administração arcar solidariamente com os encargos previdenciários e subsidiariemaente com os débitos trabalhistas e a pior de todas, a LC nº 123/2006, que institui tratamento favorecido às pequenas e micro-empresas, a ponto de, além do absurdo, instituir a revogação da adjudicação dos verdadeiros vencedores para celebrar o contrato com estes últimos.
Enfim, são tantas as complicações que não é à toa que o governo atual do PT vem tentando diminuir o poder do TCU e alterar as disposições legais no referente à legislação das licitações e contratos, conquanto tenha sido ele mesmo o seu maior protagonista nos tempos em que era oposição. Entretanto, pasmem os leitores, ainda há gente que não se deu conta da guinada de rumo de seus companheiros e promove a utilização da legislação de licitações para controle de políticas relacionadas a coisas como o trabalho escravo, exigências ambientais e assim por diante, conforme a reportagem intitulada "Falhas na lei permitem que Estado contrate empresas denunciadas por escravidão" que li do site da Agência Brasil.
Em 2007, escrevi um outro texto sobre um tema correlato, "O país do VU", do qual cito este trecho: "
"Imagine-se que uma nova lei viesse a exigir que e empresa demonstrasse que seus produtos foram produzidos pela comunidade quilombola de Sei-Lá-Onde, ou que metade de seu quadro de funcionários deva ser formado por negros ou deficientes físicos, ou que seu processo de fabricação somente utiliza insumos que não agridam a natureza... (já começo a temer dar idéias...)."
Terei sido profético, mais uma vez?
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1. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16 ed. p.334 - São Paulo: Atlas, 2003
Toda lei brasileira tem sempre muitos detalhes, empecilhos, etc. porque aqui vale a máxima "criar dificuldades para vender facilidades". Acho que você me entendeu, certo?
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