sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Dica Cultural: O homem que não vendeu sua alma




Nossa dica cultural desta sexta-feira vai para o filme inglês "A Man For All Seasons" (O Homem que não Vendeu Sua Alma), de 1966, produzido por Fred Zinnemann

Abaixo, segue magistral resenha da película, de autoria de Renato Drumond, extraída do blog "O Diário de Ana Bolena"


Um rei sem consciência. Um homem sem medo: Filme A Man For All Seasons (1966)

Dirigido e produzido por Fred Zinnemann, “A Man For All Seasons” (no Brasil: O homem que não vendeu sua alma) é mais um épico que aborda o tema referente ao grande problema enfrentado pelo rei Henrique VIII em sua tentativa de arrumar meios que viabilizem divorciar-se de Catarina de Aragão para se casar com a amada Ana Bolena. Porém, diferentemente de outros, este não é um filme que trata exatamente da vida do monarca Inglês ou de suas esposas. Mas uma magnífica produção vencedora de 6 Oscars sobre a jornada de Sir Thomas More, o célebre autor de Utopia, que se envolve em uma situação perigosa na medida em que não aceitava pronunciar-se a respeito das decisões tomadas por seu soberano para conseguir o que queria e, desse modo, colocando-se em grave perigo.

Interpretado por Poul Scofield, o advogado Thomas More, logo na primeira cena, é vislumbrado com uma intimação do cardeal Wolsey (Orson Welles) para que compareça à sua presença e explique o porquê de sua posição contra a política cardinalícia em prol da dissolução do casamento do rei. Expondo que os métodos de Wolsey eram equivocados, Sir Thomas contra-argumenta que a única entidade capaz de garantir o sucesso desta referida empreitada, seria ninguém menos que o Papa. Tem-se então, de acordo com a descrição desse conflituoso encontro, uma prévia do que o expectador pode esperar do comportamento de Thomas More, um pensador confiante de seus argumentos, nitidamente bem incorporado por Scofield, que até o fim da trama consegue sem o menor problema manter o magnetismo intelectual e a imparcialidade do personagem.

Após a desafiadora conversa com o chanceler e ter que ouvir os pedidos das pessoas que imploravam por sua ajuda em um julgamento justo, Thomas retorna para sua casa em Chelsea desejoso para encontrar-se com sua mulher e sua filha, mas ao chegar é surpreendido por um jovem admirador. Seu nome é Richard Rich (Jonh Hurt), que anseia por ocupar um cargo ao lado de seu mestre. A presença de Richard é de fundamental importância no desenrolar dos fatos, pois no primeiro momento sempre o vemos ao lado de Sir Thomas como um fiel aprendiz e depois na pele de um espião que corroborou para a ruína de seu instrutor. Jonh Hurt soube muito bem lidar com as duas fases da personalidade de Rich, ora amigo, ora covarde e oportunista. Destarte, o mesmo se aplica a Nigel Davenport, responsável por dar vida ao duque de Norfolk.

A relação de Sir Thomas com sua família, especialmente para com sua esposa e filha (interpretadas por Wendy Hiller e Susannah York, respectivamente) é um dos pontos mais interessantes do filme. A priori, o que chama atenção nas duas é a caracterização superficial, com seu figurino rebuscado e digno de admiração. Os trajes masculinos também se mostram fieis à moda da época, mas os vestidos, capelos e demais adereços ganham destaque em quaisquer cenas em que apareçam. Outro quesito primordial configura-se na postura dos personagens. É um encanto, por exemplo, observar a inteligência e submissão da jovem Margaret e a imponência de sua mãe, Lady Alice. É cômica a passagem à qual Sir Thomas surpreende o encontro secreto da filha com o luterano William Roper (Corin Redgrave) e a forma como ela usa de sua astúcia para não causar desgosto no pai.

Enquanto isso, o cardeal Wolsey, não conseguindo o que o rei queria, fora destituído de seu cargo. Tornara-se um homem demasiado velho e doente, que se lamentava por não ter servido a Deus como serviu ao rei, do contrário não estaria morrendo em deploráveis condições. Quanto a essa parte, é necessário mencionar a forma como as cenas avançam quase que sem espaçamento e explicação, pois em um instante vemos o cardeal pleno de poderes e em seguida, desgraçado e à beira da morte. Isso não ocorre apenas nessa cena, mas em várias outras. Uma vez que Wolsey morrera, o posto de chanceler da Inglaterra foi então ocupado por Sir Thomas, que apesar de tentar evitar seu envolvimento na questão do divórcio, viu-se persuadido pelo rei a tomar o partido dele em uma visita à sua casa. Essa passagem faz uma importante revelação do caráter de More, visto que ele não mudou sua opinião contraditória ao caso só porque estava diante da presença do monarca.

Por falar em Henrique VIII, fora Robert Shaw o responsável por transcender a elegância do rei inglês às telas. O mais notável em sua atuação é maneira como ele conseguiu mostrar as variações de humor de Henrique, porém sua presença não é uma das mais estimulantes. Em muitas das cenas, Shaw demonstra certo desconforto ao dramatizar, o que acabou por comprometer seu desempenho. Outra que passa quase despercebida é Ana Bolena (Vanessa Redgrave), que faz uma breve aparição na cena da festa de seu casamento. Dessa forma, não foi surpresa alguma Vanessa recusar-se a receber cachê sob alegações de que participar do filme pra ela, fora apenas uma distração. Após o soberano ter se casado contra as leis da Igreja e rompido com a autoridade papal, Sir Thomas vê-se na obrigação de renunciar seu posto e todos os benefícios que porventura viera a conseguir com o cargo.

A partir daí, os problemas para o ex-chanceler começam a aparecer: Thomas Cromwell (Leo McKern), outrora secretário do cardeal Wolsey, fora eleito para o lugar que More ocupava e estava destinado a encontrar qualquer prova que incriminasse o escritor. Para isso, subornou Richard Rich, atraindo-o para seu lado. McKern, sem dúvida, é um dos melhores atores deste presente filme. Mostrou com perfeição a mente sagaz e o instinto destrutivo e conspiratório de Cromwell, que não conseguiu reunir provas incriminatórias contra More. Porém, seu regozijo atingiu o ápice quando Thomas recusou-se a prestar juramento ao ato de supremacia. O silêncio dele chegou ao conhecimento de toda Europa. A melhor explicação para sua mudez provavelmente fundamenta-se no quão a política religiosa de Henrique ia de encontro com a ideologia de Thomas More, claramente expressa em Utopia.

Infelizmente, o silêncio do erudito foi usado contra sua própria pessoa. Preso sob acusações de alta traição e afastado da família, Sir Thomas encontrou na leitura e na escrita um conforto para seu trepidante estado. A nível de curiosidade, foi durante esse período em que ele escreveu outro livro de destaque, um diálogo filosófico sobre o sofrimento e como suportá-lo. Ao tomar conhecimento da referida produção, Cromwell tirou-lhe os livros e os papéis para que ele, diante de tal agonia, prestasse o juramento, uma vez que Henrique recusava-se a permitir que o torturassem. Todavia, isso não foi o bastante para forçar Thomas a fazê-lo, nem mesmo o apelo de sua família adiantou. Quando sua filha Margaret perguntou-lhe o porquê da recusa, ele respondeu: “… O que é o juramento então, se não palavras que dizemos a Deus?”. Foi com essa convicção que ele enfrentou um tribunal e defendeu-se com bravura das acusações caluniosas feitas por Cromwell. Mas, para desagrado próprio, fora injustamente condenado à morte simplesmente porque se recusou a prometer fidelidade há uma lei que beneficiava os interesses individuais do rei e não de seu povo.

“Morro sendo um súdito fiel do rei, mas Deus vem em primeiro lugar”. Foi com essas palavras que Sir Thomas partira para a imortalidade histórica, para ser beatificado pelo Papa Leão XIII e canonizado em 1935. É com base nesta citação que a obra tem seu desfecho, com uma importante lição de moral sofre fé e determinação.

“Um filme belíssimo, um elenco bem preparado e uma história apaixonante”, é assim que melhor se classifica “A Man For All Seasons”, cujo roteiro fora escrito por Robert Bolt. Curiosamente, o ator escalado para interpretar o personagem principal foi Richard Burton, que três anos mais tarde viveria Henrique VIII em “Anne Of The Thousand Days”. Sendo assim, parece que a escolha de Poul Scofield fora ótima, já que ele ganhou o Oscar de melhor ator. Além disso, a obra também faturaria cinco prêmios BAFTA e até hoje marca presença na lista dos 100 melhores filmes britânicos, ocupando a posição 43. Mas, acima de tudo, o longa-metragem é um tributo ao martírio de Sir Thomas More, que, segundo Alison Weir (autora de Henry VIII: The King and His Court e The Lady in The Tower), é “um personagem complexo e contrastante”, digno de eterna admiração.


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