A imagem do joio e do trigo que crescem juntos nos coloca diante de um dos grandes mistérios da pedagogia de Deus em nossa vida. Joio e trigo são parecidos, tem aparência igual, mas serão reconhecidos, mais tarde, pelos frutos produzidos. Frutos espirituais, e não necessariamente resultados de prosperidade material, de aplausos do mundo, de espetáculos visíveis e fogos de artifício. Frutos de humanidade, quando o bom coração se mantém capaz da compaixão e o olhar sempre transfigurado pela perspectiva da vida eterna. Começamos aqui o que seremos na eternidade. Daí que é preciso resistir às tentações, e permanecer fiel ao Senhor da vida, que quer vida em abundância.
No difícil campo político a que fomos chamados a atuar, como leigos cristãos inspirados nos exemplos de São Luís e São Thomas More, vamos percebendo claramente os desafios, as exigências, os perigos incontáveis, as dores e dissabores, e as conseqüências das escolhas feitas, a partir do imperativo “Escolhe, pois, a vida!”
Quem quiser mesmo ser fiel à verdade e ao bem, não será poupado de padecimentos. O problema é que hoje – de modo mais acentuado na sociedade do espetáculo midiático – “no campo da política, não se quer ser impopular. Em vez de ter aborrecimentos e de os criar, prefere-se contemporizar, mesmo com que é errado, com o que não é puro, nem verdadeiro, nem bom. Está-se disposto a comprar bem-estar, sucesso, reconhecimento público e aceitação por parte da opinião dominante, à custa da renúncia à verdade” (1) Muitos, em número cada vez maior, aceitam facilmente os cantos de sereia, que estão por toda a parte. É o “psiu” da serpente ainda hoje insistindo: “bobagem! Não tem nada a ver, larga a mão!” E isso de modo mais marcante no campo político, por ser instância decisória, de funções diretivas.
E nesse sentido, Leviatã vai se agigantando, com estatura de Golias, e impondo sua lógica desumana. O Estado passa a incorporar uma ideologia totalitária, e extirpando inclusive do coração humano as leis morais universais do direito natural, e a gravíssima conseqüência disso é que – por um processo avançado de revolução cultural – o povo já não tem mais introjetado dentro de si a lei moral. Grave, gravíssimo tudo isso. Não há mais consciência que acuse o que é certo ou errado, diante do não saber ao que se ater, em meio ao nevoeiro moral hodierno.
Em meio ao nevoeiro do relativismo
“A verdade e a realidade são inseparáveis” (2). Cobre-nos o nevoeiro da pós-modernidade, tempo de descontinuidades, de rupturas bruscas, de cortes que ensangüentam e provocam choques e angústias, tempo de desligamentos, de apatias e exaustões, de escapismos e tensões, de fugas e medos numerosos. A pós-modernidade é mesmo uma tempestade, chuva de granizos em noite fria, de causar todas as quedas de energia, de desestabilizar tudo e todos, e causar assombro. É quando então bradamos como os primeiros discípulos: “Salva-nos, Senhor, pois perecemos!” Pois a tempestade da pós-modernidade nos levou ao vale escuro, e não sabíamos nem imaginávamos o quanto são sombrias as veredas do engano, da mentira e das seduções do maligno. E queremos encontrar forças para atravessar este vale tão sombrio, “vale de lágrimas” que nos encontramos, “a vós bradamos os degredados filhos de Eva, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei, e depois deste desterro, mostrai-nos Jesus...” (3). Pois somente Ele, cremos pela fé vivíssima que nos anima, poderá andar pelas águas e nos salvar, pois por nossas próprias forças, nada podemos fazer. “Bem convencida estava eu disso, como o estava da minha fraqueza e imperfeição” (4).
É certo de que “no interior da Igreja se constata um cansaço que já não deixa aparecer o que é belo e o que é necessário, de um ponto de vista humano” (5), por isso a Missa de Beata Virgine, de Palestrina, anima-me a escrever neste instante:
Obrigado Senhor, por me fazer recordar de vós, em meio ao vale escuro, ao vale de lágrimas, certo do amor de vossa mãe intercessora, a quem no terço diário suplico piedade e misericórdia, pois não temos força, e “sabemos do pó que somos” (6). Mas cremos vivíssimamente n’Aquele que é Senhor e Rei e a quem clamamos, como os primeiros discípulos: “Salva-nos, Senhor, pois perecemos!”
Anima-nos o Sermão da Montanha, e daqui do meu jardim, em meio a lírios e canários, onde vejo as serras azuis da Mantiqueira, e a passarinhada que canta em meio às árvores frutíferas, na hora do Angelus, ao final da tarde! Que bom, Senhor, me inspiraste a plantar árvores que hoje abrigam tantos passarinhos, e que hoje me consolam com sua presença, a lembrar o que dissestes: “Valeis mais que os pardais do campo!
Recordo com viva emoção das palavras de São João Paulo II, em seu livro “Memória e Identidade”, quando indagou o santo pontífice; “Afinal, de que lado estamos?” Sei que a escolha é sempre escolhi do caminho mais difícil, da via estreita. São Francisco também escolhera, deixara de usufruir os privilégios de ser um Bernardone, para reformar a Casa do Senhor e viver como um quase pária social. Escolheu ser um dos últimos da sociedade, para servir na causa do Reino, e também sabia ser tão frágil e necessitado da força que vem do Senhor. Entendeu São Francisco que o Reino de Deus não é deste mundo, mas começa aqui a ser edificado, “porque a minha alma suspirava por outras maravilhas bem diferentes! (...) e “estava cansada de peregrinações terrestres, e anelava só pelas belezas do Céu” (7).
Quem ganha a vida, perde-a, quem perde-a, ganha-a (8)
Por isso a provação de Jó, que perdeu tudo, menos a fé. Deus permitiu que Jó fosse humilhado, com a perda de tudo o que qualquer pessoa julgasse relevante para se sentir realizado como ser humano. Mas nada do que lhe foi tirado o fez amar menos a Deus. Manteve-se grato por tudo o que recebera do Senhor, e perseverando na fé, obteve tudo de volta, pois a vida que Jó amava era pautada nos valores das bem-aventuranças. Daí porque, a exemplo de Lázaro, teve restituída a sua vida, a vida verdadeira, porque diante da questão: “de que lado estamos?”, testemunhou a adesão à cruz de Nosso Senhor, certeza da glória da ressurreição. Via difícil e estreita, que lhe garantiu a vida verdadeira.
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Notas:
1. Joseph Ratzinger, "O Sal da Terra – O Cristianismo e a Igreja Católica no Limiar do Terceiro Milênio – Um Diálogo com Peter Seewald", p. 56, Ed. Imago, 1997.
2. Ibidem, p. 55, Ed. Imago, 1997.
3. Oração da Salve Rainha.
4. Santa Teresinha do Menino Jesus, "História de uma Alma", p. 153, Livraria Apostolado da Imprensa, 12 edição, Braga, Portugal, 1990.
5. Joseph Ratzinger, "O Sal da Terra – O Cristianismo e a Igreja Católica no Limiar do Terceiro Milênio – Um Diálogo com Peter Seewald", p. 102, Ed. Imago, 1997.
6. Santa Teresinha do Menino Jesus, História de uma Alma, Livraria Apostolado da Imprensa, 12ª edição, Braga, Portugal, 1990.
7. Santa Teresinha do Menino Jesus, "História de uma Alma", p. 145, Livraria Apostolado da Imprensa, 12 edição, Braga, Portugal, 1990.
8. Mc 8, 35.
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