O governo federal abriu seu caso de bondades: Reintegra, Refis, PSI, ampliação das margens de preferências de produtos nacionais em licitações, novo acordo automotivo com a Argentina, isenção de IR para abertura de capitais por empresas de médio porte e desoneração da folha de pagamentos estão entre as medidas mais relevantes. Tudo às vésperas das eleições. Vai colar?
Por Klauber Cristofen Pires
Não posso afirmar que isto garantirá a apoio dos empresários, mesmo porque o PT tem um longo histórico de desapreço à sua palavra, embora reconheça que, segundo eles próprios, tenham saído satisfeitos com tais medidas. Convém, no entanto, analisar o seu alcance e demonstrar aos leitores se atendem às condições para o estabelecimento de um cenário estável, atraente e confiável para os investimentos por parte da indústria.
Primeiramente, vou esclarecer aos leitores do que trata cada um dos itens desse pacote e comentar sobre eles ao final:
Começando com Reintegra, o modelo que o governo alega que será permanente manterá uma amplitude de devolução de parte do valor exportado entre 0,1% e 3%, sendo que atualmente é de 0,3%. Enquanto chegar a 3%, por enquanto ao menos não passa de promessa, o mais esperável é que se mantenha nesta faixinha insignificante, com o risco mais real de cair a 0,1%.
O caso do Refis é o mais significativo do desespero do governo em fazer caixa, pois o seu uso abusivo já tem criado uma cultura simpática à sonegação fiscal, por empresários que sempre contam com novas edições do programa, fazendo de palhaços os que pagam impostos em dia. Na verdade, o prejuízo é bem maior do que apenas botar-lhes um nariz vermelho, pois estes, relativamente descapitalizados, acabam sofrendo uma concorrência desleal com os sonegadores.
Por sua vez, o PSI - Programa de Sustentação do Investimento, ganhará neste ano uma nova modalidade, para que as fábricas possam comprar ou contratar por meio leasing máquinas e equipamentos, com juros subsidiados pelo BNDES. A medida satisfez o empresariado que reivindicou tal facilidade por meio do Forum Nacional da Industria.
No campo das licitações públicas, o governo unificou em 25% a margem de preferência para as compras públicas, percentual que será a aplicado até 2020 nas licitações federais para produtos manufaturados e serviços nacionais. Isto significa que produtos e serviços nacionais que sejam até 25% mais caros que os importados terão preferência nas licitações.
Quanto à questão da renegociação do acordo automotivo entre Brasil e Argentina, é sintomático do dirigismo estatal sobre a economia, mormente por estabelecer o privilégio para um setor em detrimento de outros e de forma mais acentuada, ao estabelecer cotas de participação nos mercados um do outro (participação mínima nos respectivos mercados de veículos, de 11% de automóveis argentinos no Brasil e 44,3% de brasileiros na Argentina), cujo acompanhamento é uma tarefa difícil de realizar e que sempre acabará em pretextos para que especialmente a Argentina, como tem feito amiúde, denuncie o alcance de tais limites como forma de bloquear novas importações. O só fato de tais cotas existirem cria um artifício brochante para o mercado, especialmente para os participantes minoritários.
Sobre a isenção de IR para a abertura de capital das empresas de médio porte, a ideia em si não é má, a não ser pelo efeito injusto de escolher quem pode ou não ser agraciado com a nova medida. Segundo a Agência Brasil:
A isenção de Imposto de Renda sobre ganho de capital, que hoje está em 15%, é uma das ações previstas até 2023. A medida é válida para empresas com valor de mercado inferior a R$ 700 milhões. “Queremos permitir a expansão dessas empresas no Brasil”, declarou, durante a cerimônia na Bolsa de Mercadorias e Futuros - BM&F Bovespa.
Mantega estima que o impacto fiscal dessas medidas seja pequeno, tendo em vista que, atualmente, 11 empresas desse porte atuam na bolsa. “Novas empresas não entrariam, ou entrariam muito devagar, se não fizéssemos essas medidas. Praticamente, estamos falando de algumas dezenas de milhões”, apontou, sem definir valor exato, que ainda será calculado. De acordo com a Bovespa, o potencial é que 15 mil empresas possam se habilitar a abrir capitais. “É uma forma de financiamento mais barato: a capitalização das empresas, adquirindo um sócio”, destacou.
Por fim, a desoneração da folha de pagamentos vai contemplar 56 setores da economia em percentuais que vão de "expressivos" 1 a 2% (Veja aqui a casuísta tabela).
Vamos agora aos comentários:
Cumpre primeiramente esclarecer que nem na União Soviética, o experimento socialista mais radical da história, conseguiu-se implementar um modelo produtivo 100% estatal. Sempre houve um número mínimo de empresas privadas formalmente estabelecidas, além de um mercado negro do qual dependia crucialmente a própria sobrevivência do regime, razão pela qual era frequentemente tolerado, de forma que a alta burocracia sempre soltava mais o torniquete quando um estado de colapso vinha se aproximando.
Isto parece ser exatamente o caso brasileiro, ou de outra forma não teríamos todas estas medidas sendo implementadas às vésperas de eleições justamente em um momento em que a popularidade da presidente Dilma Roussef e a reputação do PT vem rolando morro abaixo.
Tratasse de uma convicção, objeto improvável de se encontrar nas bagunçadas gavetas mentais da cabeça do ministro Guido Mantega, certamente teriam sido aplicadas há muito mais tempo.
Isto, porém, não significa de minha parte uma aprovação entusiasmada, embora possivelmente venham a produzir algum resultado um pouco melhor do que a política econômica que vinha sendo mantida. Explico:
Pra começar, todas estas alterações foram implementadas por atos administrativos, mormente por decreto, e já isto denuncia o caráter precário das decisões, já que não foram firmadas por lei.
Ademais, nada garante que o PT venha a ser laureado com mais um mandato presidencial, de modo que um novo presidente possivelmente venha a revogá-los (Mesmo que venha a construir uma política econômica mais benéfica aos empresários). Assim, sendo, o PT faz como aquele promesseiro esperto que põe um de seus parentes para subir as escadarias de joelhos em seu lugar.
Outro fator importante é que em todas estas medidas o poder sobre o direito de propriedade sempre continua com o governo, que pode atenuar ou agravar conforme as suas conveniências, que são antes políticas do que econômicas.
Confiram: o Reitegra é um programa de devolução de parte do valor exportado; o Refis é um programa de parcelamento de dívidas tributárias, sobre as quais rolam juros, ainda que subsidiados (com o nosso dinheiro - é bom salientar), o PSI, da mesma forma, financia com juros subsidiados provenientes dos nossos impostos e em concorrência com o setor bancário privado a compra dirigida de máquinas e acessórios; e assim também a política absurda de licitações públicas que privilegia preços até mesmo 25% mais altos para produtos nacionais, que no caso desperdiçam dinheiro público a troco de proteger empresários incompetentes.
O que eu quero dizer aqui é que uma autêntica economia de livre mercado cria condições de reinvestimento por meio do acúmulo de sua própria poupança, enquanto que o que vemos aqui são meras concessões precárias do governo em dispor temporariamente de sua arrecadação que nada mais é do que fruto do confisco do capital privado por meio de uma pesada tributação.
O filósofo Hans Hermann-Hoppe explica como uma economia em que o direito de propriedade é submetido aos humores do momento por parte dos estados não consegue se desenvolver por falta de previsibilidade, pois a possibilidade de um empresário ser tungado justamente na hora em que começa a colher os primeiros frutos do seu investimento estará sempre lá, como um urubu à espreita.
Além disso, como diz um ditado, o uso frequente do cachimbo deixa a boca torta: em nenhum momento dos três mandatos petistas, houve diminuição da arrecadação tributária, que ao contrário, veio mês a mês alcançando recordes. Isto porque o governo petista, ao mesmo tempo em que dava uma mão para cumprimentar por alguma pseudo-bondade, esticava a outra até os bolsos alheios para se compensar. Um caso célebre foi o expressivo aumento de IPI para bebidas alcoólicas e refrigerantes para servir como pagamento pela temporária redução das tarifas de energia elétrica.
Neste campo, faz-se muito pior do que trocar seis por meia dúzia, especialmente quando se privilegiam alguns setores em detrimento de outros; Quem pode explicar isto de forma bastante didática é o impressionante artigo de Leonard Reed, intitulado "Eu, o lápis", no qual ele descreve uma infinita rede de colaboração entre agentes de vários países para que apenas um lápis venha a ser produzido. Quem quiser assistir, há também uma versão animada (clique aqui).
Assim, um programa como o PSI, ao dirigir por meio de incentivos a compra de máquinas e equipamentos, despreza um fato tão banal quanto óbvio de que uma fábrica depende para produzir do preço do leite, das diárias de hotéis, das fraldas descartáveis, dos planos de saúde e enfim, da integração com toda a economia.
Programas de incentivo dirigidos costumam criar uma abundância em alguns setores que não será plenamente aproveitada, bem como uma carência em outros que será sentida, e o que é pior, inviabilizará de alguma maneira até mesmo o consumo ou aproveitamento daqueles que foram aquinhoados com privilégios. É o caso de termos uma fartura de cadernos simultaneamente a uma falta de lápis.
Direito de propriedade, leis e tributos estáveis e iguais para todos e impostos módicos que favoreçam o autofinanciamento por meio do acúmulo da poupança privada - e não por mais endividamento com o governo que já prejudicou a economia por meio de pesados tributos - isto, sinceramente, é o que mantenho como uma consistente e verdadeiramente sustentável política econômica mas que não consigo contemplar em praticamente nenhum item deste saco de bondades convenientemente lançado às vésperas de eleições.
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