terça-feira, 24 de agosto de 2010

Frei Betto e o limite da propriedade agrícola: “dize-me com quem andas e te direi quem és” (I)

Por Ênio José Toniolo
(Professor da Universidade Estadual Paulista)

Em artigo recentemente publicado1, Frei Betto apóia a limitação do tamanho das propriedades agrícolas mediante plebiscito a ser realizado em setembro próximo2.


Antes de analisarmos as justificações ajambradas pelo autor, recordemos alguns aspetos da sua biografia, úteis para compreendermos a posição por ele assumida e, sobretudo, para entendermos a ideologia que está por detrás de tal plebiscito.

Frei dominicano, teólogo e adepto da Teologia da Libertação, Frei Betto não necessita de muita apresentação, eis que ativo militante dos movimentos pastorais e sociais, amigo pessoal de Fidel Castro e assessor especial do governo Lula e de diversos governos socialistas, especialmente do governo comunista cubano.

Ficou famoso, na segunda metade da década de 60, por acobertar o chefe guerrilheiro Lamarca, terrorista comunista então procurado pela polícia.

O pressuposto: ideário de uma sociedade pobre e igualitária

Esta brevíssima descrição biográfica de Frei Betto explica, indubitavelmente, a adesão do mesmo à ideologia marxista e sua obstinada luta pela implantação, no Brasil, de um regime sócio-econômico nela inspirado.

Em suma, Frei Betto faz parte daqueles que continuam a defender o socialismo como suposto meio de combater a pobreza e a desigualdade – na sua visão, inerentes ao regime capitalista e, portanto, inaceitáveis – mesmo após a derrocada e evidente fracasso do regime comunista soviético e de seus satélites, estando também escancarada a miséria do povo cubano, há décadas vitima de um comunismo o mais característico.

Propor um remédio comprovadamente fracassado para curar uma doença, que contradição gritante! Deles se poderia dizer que “nada aprenderam e nada esqueceram”; os “NA-NE”, que continuam a combater o capitalismo, aferrados ao marxismo e ao socialismo. Como se explica tamanha obstinação? Tamanha contradição?

Explica-se. A gritante contradição a que nos referimos acima é apenas aparente. De fato, os adeptos da Teologia da Libertação não pretendem erradicar a pobreza, eis que esta é um ideário a ser implementado com vistas à implantação de uma sociedade igualitária e miserabilista.

Nesse sentido, vale lembrar as palavras do ex-Bispo de São Félix do Araguaia, D. Pedro Casaldáliga, conhecido promotor da Teologia da Libertação, no sentido de que é preciso “assumir explicitamente a civilização da sobriedade compartilhada, frente ao consumismo egoísta”3.

O próprio Frei Betto, ao retornar de uma de suas assíduas viagens a Cuba, ressalta que “viver em Cuba exige altruísmo, como viver em comunidade ou, por exemplo, num convento. O ‘nosso’ deixa pouco espaço para o ‘meu’ (…)”4.

Assim sendo, tendo como pressuposto esse ideário de uma sociedade pobre e igualitária, acalentado pela Teologia da Libertação, analisemos, então, os argumentos apresentados por Frei Betto para justificar a limitação no tamanho das propriedades agrícolas.

O “biscoito lambido” agroreformista

A primeira justificativa para dita limitação é a suposta concentração da propriedade da terra. Afirma o supracitado autor: “O Brasil apresenta um dos maiores índices de concentração fundiária do mundo: quase 50% das propriedades rurais têm menos de 10 ha e ocupam apenas 2,36% da área do país.

E menos de 1% das propriedades rurais (46.911) têm área acima de 1 mil hectares cada e ocupam 44% do território (IBGE, 2006).” Mais adiante: “Diante desse quadro de grave desigualdade, não se pode admitir que imensas propriedades rurais possam pertencer a um único dono, impedindo o acesso democrático à terra, que é um bem natural, coletivo, porém limitado.”5

Tal alegação não passa de um “biscoito lambido” agroreformista. Quase nos mesmos termos, figura ela em documento aprovado pela 18ª Assembléia Geral da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil, realizada em 1980, com fulcro em dados do Censo Agropecuário de 19756. À época, esse argumento, entre muitos outros, foi amplamente refutado, tanto do ponto de vista moral, como econômico, em Sou Católico: posso ser contra a Reforma Agrária?7

Resumidamente, a obra em referência prova que, do ponto de vista social e econômico, essa distribuição da propriedade da terra nada tem de anormal, eis que característica de um regime baseado na propriedade privada e na livre iniciativa. Não parece supérfluo recordar que, nos regimes comunistas, a propriedade da terra – reformas agrárias aparte – acaba concentrando-se nas mãos de um único proprietário, qual seja, o Estado.

De fato, dados atualizados mostram que a concentração da propriedade da terra é relativamente alta nos países capitalistas.8

Continua …

[1] “Plebiscito pelo limite da Terra”. Correio Braziliense, 13 de agosto de 2010.

[2] Este plebiscito é promovido pelo Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo (FNRA), o Grito dos Excluídos e outras entidades afins, em conjunto com a CNBB. Ele propõe “à inserção de um inciso V no artigo 186 da Constituição Federal, estabelecendo que para cumprir a função social, a propriedade rural terá um limite de 35 módulos fiscais…” Site do Instituto Zequinha Barreto, Socialismo e Democracia. Declarações de Gilberto Portes, coordenador do FNRA a Karol Assunção, periodista da ADITAL.

[3] VIOTTI, Frederico R. de Abranches. “A Teologia da Libertação e sua influência no País”. Catolicismo, Abril 2004. Sob o sub-titulo Anticonsumismo miserabilista, o autor afirma: “Ao contrário do que possa parecer, a Teologia da Libertação não pretende erradicar a pobreza. Nas palavras do Bispo de São Félix do Araguaia, D. Casaldáliga, conhecido promotor da Teologia da Libertação, é preciso “assumir explicitamente a civilização da sobriedade compartilhada, frente ao consumismo egoísta”. (ADITAL, Reportagem Igreja da Libertação na América Central, 6-3-04). Mas adiante cita ao próprio Frei Betto: “Sobre esse tema, afirma Frei Betto: “Viver em Cuba exige altruísmo, como viver em comunidade ou, por exemplo, num convento. O ‘nosso’ deixa pouco espaço para o ‘meu’” (10. ADITAL, Frei Betto: Cuba resiste, solidariamente, 5-1-04).

[4] VIOTTI, Frederico R. de Abranches. Op. Cit.

[5] “Plebiscito pelo limite da Terra”. Correio Braziliense, 13 de agosto de 2010.

[6] CNBB, Igreja e problemas da terra. São Paulo, Edições Paulinas, 1980. (Tópico No 8 )

[7] CORREA DE OLIVEIRA, Plínio; DEL CAMPO, Carlos Patrício. Sou Católico: posso ser contra a Reforma Agrária? Editora Vera Cruz, 1981.

[8] O índice de Gini é o indicador mais usado para medir o grau de concentração de uma determinada distribuição. O índice varia entre 0 e 1. A maior valor maior concentração. Considerando alguns países mais representativos, segundo a FAO ( Table 1: Number and área holdings, and Gini’s índex of Concentration: 1990 Round of Agricultural Censuses) seus respectivos valores do índice de Gini seriam os seguintes: EEUU – 0,74; Canadá – 0,64; Argentina – 0,83; Brasil – 0,85; Paraguay – 0,93; Peru – 0,86; Portugal – 0,78; Espanha – 0,86.

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