Por Klauber Cristofen Pires
O artigo de hoje, tomando como estudo de caso o artigo publicado pela
professora da PUC/RJ e jornalista Suely Caldas, publicado no Estadão,
denominado “No
Brasil a Conversa é Outra”, vem para demonstrar a confusão que ainda jaz
reinante na cabeça dos brasileiros – “encabeçada[i]”
- pela maioria dos professores universitários, no que se refere ao
intervencionismo estatal, com ênfase no chamado New Deal, o programa de
governo do presidente Roosevelt nos anos 20 a 40 do século anterior.
Vamos ao texto da Professora Suely Caldas, a começar pelo primeiro
parágrafo:
O intervencionismo do Estado foi necessário e bem-vindo
em determinados momentos da História. Nos EUA pós-crise de 1929, o democrata
Franklin D. Roosevelt enfrentou o desemprego, a pobreza e a destruição da
economia com seu New Deal - um conjunto de leis e regras inspiradas nas ideias
do economista inglês John M. Keynes, que ampliou a participação do Estado na
economia, criando demanda e tirando da paralisia setores econômicos destruídos
pela crise. Eleito em 1932, Roosevelt reorganizou a economia, aliviou o desemprego,
usou o Estado para dar musculatura ao capitalismo e recuperou a esperança das
famílias americanas, que o reelegeram para mais três mandatos.
A história dos primeiros tempos dos EUA foi marcada pelo conflito entre
os defensores da liberdade individual, que entendiam ser o papel do estado
apenas o de mantenedor da ordem e primavam pela iniciativa privada - até mesmo
para obras de uso público, como estradas rodoviárias e de ferro - em
contraposição aos que tomavam posição pela construção de obras públicas como
motores de desenvolvimento.
Da
independência até o fim do século XIX, prevaleceram os primeiros, e os EUA eram
uma nação com o estado e seus cidadãos superavitários.
James Madison escreveu no seu famoso ensaio nas Cartas
Federalistas (nº 10) que o principal propósito da constituição era limitar a
violência de facção, termo com o qual se referia aos grupos de interesse
especial. “Se o governo fosse dominado por interesses especiais, a
legislação seria o resultado do poder da maioria e não serviria ao interesse
público e à justiça”.
Por outro lado, Alexander Hamilton era um dos mais
proeminentes representantes de um grupo de homens politicamente ambiciosos que
desejavam um forte governo central que poderia instituir o corrupto sistema
mercantilista britânico na América, sabendo que tal sistema inevitavelmente
proveria um substancial poder político àqueles que o governassem. Alexander
Hamilton foi um árduo defensor das políticas das tarifas protecionistas,
subsídios pagos pelos contribuintes para empresas privadas de construção de
canais e estradas, e um sistema monetário conduzido pelo governo que pudesse
financiar tal patrocínio.
Toda a vida pública de Hamilton foi marcada pelo
clientelismo, pela corrupção desenfreada e para o uso da máquina pública para o
atendimento dos seus interesses pessoais. As obras de construção de canais e
estradas, pelas quais fluíam somente privilégios e negociatas, alongavam-se
interminavelmente, a ponto de alguns estados, tendo sofrido severa crise de
empobrecimento, as terem proibido terminantemente.
Por outro lado, são fantásticas as proezas de homens tais como Cornelius
Vanderbilt e James H. Hill, notáveis empreendedores que além de extremamente
competentes, tiveram de concorrer em pé de desigualdade com rivais beneficiados
com monopólios ou subsídios estatais.
Vanderbilt tornou-se famoso por desafiar o monopólio do frete conferido
às embarcações a vapor de Robert Fulton, em 1817, concedido pelo estado de Nova
York, animado sob uma clássica concepção mercantilista. Seus barcos, que
operavam ilegalmente, ostentavam uma bandeira com os dizeres: “Nova Jersey deve
ser livre”. Operando com preços mais baixos e serviços de melhor qualidade,
conquistou a simpatia da opinião pública até que o monopólio foi extinto em
1824 pela Suprema Corte. Com o mercado desregulamentado, o tráfego aumentou
significativamente e com ele toda a indústria local.
James H. Hill e sua companhia competiram sem um único centavo de dinheiro
público contra gigantes subsidiadas do setor, construindo ferrovias de muito
melhor qualidade, com trechos mais retos e aclives mais suaves, adquirindo de
forma totalmente contratual seus direitos de passagem sobre propriedades
privadas e públicas, e agindo como um extraordinário colonizador, pois que
financiava a aquisição de terras a pessoas pobres ao longo de suas linhas. Sua
preocupação com a excelência dos serviços, com o uso mais racional dos recursos
e com a satisfação plena dos parceiros e consumidores era largamente conhecida,
tanto quanto a má-fama que “desfrutavam” seus concorrentes. Relatos históricos
revelam que muito ao contrário da GN, os seus colegas subsidiados
frequentemente roubavam os fazendeiros em busca de madeira para moentes, carne
para alimentação dos operários e ferramentas e equipamentos, obrigando-os a
fazerem vigília ao longo de suas linhas. Por fazerem uso de qualquer madeira
roubada no caminho, e por não dependerem do juízo dos consumidores,
regularmente construíam diretamente sobre a neve, que ao derreter apodrecia os
moentes e varria para longe os trilhos, pontes e postes telefônicos. Além
disso, como recebiam por milha construída, contavam com forte incentivo para
construírem suas linhas com os trechos mais longos e sinuosos
Certa vez, assim Hill se manifestou certa vez, por escrito:
“O governo não deveria
fornecer capital a estas companhias, em adição aos seus enormes subsídios
fundiários, para capacitá-los a conduzir seus negócios em concorrência com
empresas que não têm recebido nenhum auxílio do tesouro público”.
Até aqui, prezados leitores, estive eu apenas me referindo à primeira
colocação da autora, isto é, de que “O intervencionismo do Estado foi
necessário e bem-vindo em determinados momentos da História.”, apenas para
demonstrar que também – senão sempre – foi extremamente desastroso. Vamos
agora, então, destrinchar o que foi realmente o New Deal, valendo-nos do Professor Thomas J.
DiLorenzo, que dedicou um capítulo inteiro ao tema em sua obra “How Capitalism
Saved America”:
Diz o autor:
Na realidade, as políticas econômicas de Franklin Delano Roosevelt
tornaram a Grande Depressão muito pior, fizeram-na prolongar-se por muito mais
tempo do que por outro modo ocorreria; e estabeleceram precedentes
intervencionistas que dragaram a prosperidade econômica e ameaçaram a liberdade
até os dias atuais.
Longe de emitir meramente uma opinião individual, DiLorenzo ilustra com
alguns dados bastante impressionantes:
- Em 1929, a taxa de desemprego era de apenas 3,2%, e nos onze anos seguintes, compreendendo dois mandatos de
Roosevelt, foram, respectivamente, 8,7%, 15,9%, 23,6%, 24,9%, 21,7%, 20,1%,
16,9%, 14,3%, 19,0%,17,2% e 14,6%, com a observação de que, nos últimos anos, o
que fez baixar as taxas foram as convocações para a Guerra, o que por si revela
uma situação muito pior do que um estado temporário de desemprego.
- O Produto Interno Bruto per capita de 1929, de US$ 859,00, foi
menor em todos dez anos seguintes (US$772.00; US$721.00, US$611.00, US$ 590.00,
US$ 639.00, US$ 718.00, US$ 787.00, US$ 846.00, US$ 794.00, e US$ 847.00), com
vindo a retornar a subir, e mesmo assim timidamente, apenas em 1940, com US$
US$ 916.00, quando o governo, enfim, começou a diminuir seus gastos.
- O Consumo Interno também reduziu no mesmo período, revelando uma
notável queda nos investimentos privados devido à falta de poupança: em 1929,
em bilhões, foi de US$ 78,9, e nos anos seguintes, de 70.9, 61.3, 49.3, 46.4,
51.9, 56.3, 62.6, 67.3, 64.6, 67.6 e em 1940, 71.9, 8% menor do que em 1929.
- Outra evidência de que o New Deal piorou a situação econômica dos EUA,
fazendo-a prolongar-se mais do que ocorreria em uma situação de não
intervenção, foi a de que em muitos países europeus a recuperação aconteceu com
maior sucesso: em 1937, a Grã-Bretanha reduziu sua taxa de desemprego a 10,3%,
quatro pontos percentuais a menos do que na América.
- Não foi antes de 1947, quando os controles econômicos dos tempos de
guerra terminaram, e os gastos do governo diminuíram dramaticamente, que a
prosperidade foi resgatada. Os gastos do governo federal diminuíram de US$ 94
bi em 1945 para US$ 33 bi em 1948, o primeiro ano de genuína recuperação.
Passemos a outro parágrafo de Suely Caldas:
No Brasil, Getúlio Vargas foi um ditador populista que,
no plano político, prendeu opositores e censurou a imprensa. Mas na economia
foi um estadista de olho no futuro. Sua marca foram o intervencionismo estatal
e a obsessão por dar a partida para industrializar o Brasil, até então um país
agrário que produzia café, leite e açúcar. Na ditadura do Estado Novo, criou a
Vale do Rio Doce, a Cia. Siderúrgica Nacional e a Fábrica Nacional de Motores,
as três com financiamento dos EUA. Ao retornar ao poder, em 1951, acrescentou a
Petrobrás e o BNDES. Todas estatais, essas empresas constituíram o alicerce que
permitiu dinamizar a industrialização no período Juscelino Kubitschek. Alguns
de seus biógrafos apostam que, se vivo fosse neste século 21, Getúlio Vargas
seria favorável às privatizações e à revisão das leis trabalhistas, por ele
criadas em 1937.
A doutrina liberal austríaca nos ensina com muita competência que o
intervencionismo estatal, como um ato derivado da força do estado, desconsidera
custos de oportunidade e a espontânea celebração do acordo de vontade entre as
partes, de modo que suas primeiras conseqüências, respectivamente, são um
empreendimento cujo custo pode ser absoluta ou relativamente superior aos
frutos esperados, bem como uma agressão a uma ou mais partes de qualquer
acordo.
Cito sempre o economista francês Frédéric Bastiat, por seu pensamento
simples e correto, sintetizado pela fórmula “O que se vê e o que não se vê”. Diz: “O estado faz
uma estrada, constrói um palácio, conserta uma rua, abre um canal e, com isso,
dá trabalho a certos operários: é o que se vê. Mas ele priva de trabalho certos
outros operários: é o que não se vê”.
No caso brasileiro, vivenciamos um período de estagnação econômica
derivada da ação estatal consistente em privilegiar políticas públicas que
interessassem aos produtores de café e leite. O resultado, bem conhecido, pode
ser retratado pelas máquinas ferroviárias que queimavam café ao invés de carvão
por não terem como vendê-lo.
Os empreendimentos estatais criados por Vargas – e justiça seja feita,
também por seus antecessores e sucessores - mostraram-se praticamente todos
mal-sucedidos. A Fábrica Nacional de Motores foi vendida em 1977 à FIAT; a
Companhia Siderúrgica Nacional e a Cia Vale do Rio Doce foram privatizadas em
estado de quase completa obsolescência. Houve companhias estatais, como a
Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro, que tiveram de ser extintas porque
ninguém se interessou pelo seu leilão.
Todas estas mal-aventuranças aconteceram devido aos vícios próprios dos
empreendimentos estatais: investimento planejado segundo critérios políticos ao
invés de econômicos; cargos de confiança nomeados por políticos; prioridade ao
emprego ao invés da produção; estabilidade funcional que se transforma em
desmotivação; falta de um responsável para assumir riscos de mercado;
desconsideração dos custos de oportunidade; um rol extenso de cortesias; e
enfim, muita, mas muita corrupção.
Nos quatro parágrafos seguintes, Suely Caldas parece compreender estes
vícios, mas curiosamente, atribui as culpas aos brasileiros, porque somos
brasileiros, voltando a exaltar o intervencionismo estatal no exterior, que
segundo ela, estancou a crise de 2008, segundo ela, por conta de “extremismos
liberais”: “Intervencionismo do Estado é bem-vindo, e mais ainda quando
corrige extremismos liberais, como ocorreu na crise de 2008. O caso brasileiro
é outra conversa”.
Então
vamos lá: Vocês sabiam que já houve um Banco dos Estados Unidos da
América, à semelhança do Banco do Brasil? Na verdade, foi aquele que inspirou a
criação deste. Pois, houve sim, até que o presidente Andrew Jackson o tivesse
extinguido, tamanhas eram as denúncias de corrupção, a ponto de muitos estados
terem proibido as suas operações em seus respectivos territórios. E ah, mais um
detalhe: Alexander Hamilton foi o primeiro chefe daquela instituição.
O que foi dito acima desmonta a tese de que a corrupção é uma doença
endêmica dos brasileiros porque brasileiros. Nossa corrupção tem origens em
nossos pendores para o estatismo, não em nosso DNA.
A Professora mal deve desconfiar que a crise americana de 2008 não se deu em função da liberdade de
mercado – do extremismo liberal – mas justamente ao contrário, do
intervencionismo estatal, provocado por distorções criadas pelo governo
americano, ao criar políticas de financiamento de casas próprias para pessoas
que não tinham condições de honrar suas hipotecas, bem como por ter baixado
artificialmente os juros, gerando expectativas errôneas nos investidores, que
passaram a investir a fundo perdido em investimento de longuíssimo prazo –
especialmente no setor de alta tecnologia - que deram com os burros na água.
Concluindo: em situações
muito especiais, a ação estatal pode de algum modo ser benfazeja, mesmo que seja
anti-econômica. No entanto, o intervencionismo estatal no campo econômico
somente cria distorções que conduzem a um estado de relativo ou absoluto empobrecimento,
vez que desloca os investimentos para empreendimentos menos urgentes e necessários, produzindo alguns
bens em excesso simultaneamente à escassez de muitos outros.
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