Seguem abaixo dois textos: o primeiro foi o artigo "Círculo Militar", publicado no blog da jornalista Miriam Leitão, inserido no site do jornal O Globo, e o segundo, a carta do General e cidadão José Gobbo Ferreira, em resposta a ela.
Como tenho dito, estamos começando a despertar e a fazer o dever de casa que o Brasil nunca fez: combater o esquerdismo no campo das ideias. Está cada vez mais difícil aos jornalistas engajados mentir ao público...
Por Miriam Leitão
O país tem discutido, nos
últimos dias, o passado do regime militar. É tarde, mas não tarde
demais. A sociedade decidirá o alcance desse reencontro, mas o
passado deve ser revisitado se o país escolheu jamais repetir aquele
erro. Novas informações surgem sobre histórias antigas, novos
caminhos jurídicos. Os militares repetem o velho enredo de vetar o
debate. O governo ainda não nomeou os integrantes da Comissão da
Verdade.
Vladimir Herzog foi morto
há 36 anos, com apenas 38 anos, horas depois de entrar no DOI-Codi,
no II Exército. Tinha endereço certo, dirigia o jornalismo na TV
Cultura, não demonstrou qualquer intenção de fugir, apresentou-se
para depor, nunca houve culpa formada, não se sabe do que foi
acusado, não se sabe até hoje como o mataram.
Uma nova foto, omitida na
época, mostra o que sempre soubemos e dá mais clareza à farsa
montada para tentar esconder a verdade. Foi publicada nos últimos
dias no site organizado pelo deputado Miro Teixeira
(www.leidoshomens.com.br). Pelo ângulo se vê que se quisesse
cometer suicídio ele amarraria a faixa na grade superior. O site
mostra também uma carta do general Newton Cruz ao então chefe do
SNI, João Figueiredo, revelando a luta intestina dentro do aparelho
repressor.
Nestes 27 anos de
democracia já deveria ter havido a busca da verdade sobre as
circunstâncias das mortes e dos desaparecimentos políticos. Não é
revanchismo. É uma obrigação do Estado para com as famílias e a
História. Sempre que o assunto retorna, os militares calam a
discussão. A fórmula é conhecida: os da reserva fazem notas com
protestos e ameaças veladas, os comandantes da ativa fazem pressão
por dentro, usando como prova da insatisfação da tropa as notas dos
aposentados. Assim se forma o círculo do veto. O poder civil recua.
Herzog é uma das tantas
feridas que não cicatrizam porque não é uma questão de tempo, e
sim de prestar contas do crime que o Estado cometeu. O governo
democrático não buscou os fatos com a diligência que a construção
institucional exige. Essa falha permite que os militares mantenham
sua versão. O general Luiz Eduardo Rocha Paiva afirmou na entrevista
que me concedeu que “ninguém pode dizer que ele (Herzog) foi morto
pelos agentes do Estado. Nisso há controvérsias. Ninguém pode
afirmar”. O Instituto Vladimir Herzog reagiu com nota de repúdio.
Por que um general que
estava até 2007 em postos importantes é capaz de levantar tal
dúvida? Porque sempre que eles mandaram o país interromper a
conversa sobre Herzog e qualquer outro foram obedecidos. Em outubro
de 2004, o “Correio Braziliense” publicou fotos que supostamente
eram de Herzog. Isso detonou uma crise militar. O serviço de
comunicação do Exército publicou uma nota em que justificava
torturas e mortes. “As medidas tomadas pelas Forças Legais foram
uma legítima resposta à violência dos que se recusaram ao diálogo,
optaram pelo radicalismo e pela ilegalidade e tomaram a iniciativa de
pegar em armas e desencadear ações criminosas.”
O então ministro da
Defesa, José Viegas, exigiu do comandante do Exército, Francisco
Roberto de Albuquerque, uma nota de retratação. O general optou por
uma nota na primeira pessoa em que dizia que aquela forma de abordar
o assunto não era adequada. O Exército jamais se retratou. O
ministro Viegas deixou o posto dizendo que o pronunciamento provava a
persistência do “pensamento anacrônico” da “doutrina de
segurança nacional” em plena vigência da democracia.
Esse não foi o primeiro
nem o último evento em que os militares constrangeram o poder civil.
Foi o mais explícito porque Viegas deu transparência aos fatos. Ele
disse em sua saída que achava inadmissível que as Forças Armadas
não demonstrem “qualquer mudança de posicionamento e de
convicções”. Disse que considerava inaceitável que se usasse o
nome do Ministério da Defesa para “negar ou justificar mortes como
a de Vladimir Herzog”.
Lembrar esse episódio nos
ajuda a ver como é persistente o veto militar a duas providências
fundamentais: procurar as informações que à época foram negadas
pela ditadura; promover uma renovação do pensamento das Forças
Armadas sobre seu papel naquele período.
O general Rocha Paiva não
é um ponto fora da curva; ele representa o pensamento majoritário
dos militares da ativa e da reserva. Isso fica provado também no
número de oficiais, que estavam no comando até recentemente, que
assinaram a nota de protesto dos clubes militares contra a Comissão
da Verdade. Eles pensam hoje o que sempre pensaram. Rocha Paiva
disse, por exemplo, que não há provas do crime do Caso Riocentro (a
transcrição na íntegra da entrevista está no post abaixo).
Como o pensamento das
Forças Armadas não foi atualizado, novas gerações estão sendo
formadas nessa convicção. O desvio tem se perpetuado. Eles ainda
defendem como legítimo o que houve nos 25 anos de exceção, ainda
cultuam os ditadores como heróis, ainda protegem os torturadores e
sonegam informações. Se o governo se deixar intimidar na Comissão
da Verdade estará capitulando diante da pressão do círculo
militar.
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Prezada Senhora Miriam
Leitão:
Tendo lido seu artigo
“Círculo Militar” e, dada a elevada conta em que tenho sua
inteligência, me sinto obrigado a entrar em contato com a Senhora
para lhe oferecer, com profundo respeito às suas opiniões pessoais
e ao seu direito de expressá-las, uma interpretação, também
pessoal, do problema da chamada comissão da verdade, uma vez que
nele a Senhora acusa os militares brasileiros, entre outras coisas,
de se oporem radicalmente a sua criação.
O problema fundamental
é que vivemos em uma época em que o partido de plantão no poder
não merece qualquer confiança nos quesitos ética, moral, justiça,
respeito e, em consequência, verdade. Não há como acreditar que
esse grupo queira, de fato, buscá-la. O Cristo é claro quando
afirma que “...a árvore ruim não pode dar bons frutos.”
Com efeito, as
esquerdas brasileiras, derrotadas no campo de luta pela
contrarrevolução de 1964, se esmeraram desde então em uma campanha
de propaganda bem ao tipo Gramsci, visando reescrever a história,
distorcendo fatos, negando suas verdadeiras intenções e demonizando
aqueles que os enfrentaram e venceram naquela oportunidade.
A verdade é que os
grupos que foram combatidos não desejavam, de maneira nenhuma,
“restabelecer a democracia no Brasil”, como dizem, mas sim fazer
exatamente o contrário, estabelecendo no país uma ditadura
comunista. Esse desiderato é hoje confirmado por inúmeros então
participantes daquelas manobras, hoje desiludidos e trazidos à luz
da razão pelo amadurecimento político e pelo convencimento da
absoluta falta de competência daquele regime para trazer o bem estar
ao povo, embora excepcionalmente efetivo para promover o
enriquecimento pessoal ilimitado dos membros da “intelligentsia”
do partido.
Os militares em
particular constituem o alvo preferencial de suas manobras escusas,
primeiro porque nunca deixarão de agir, por todos os meios de que
disponham, até mesmo com o sacrifício da própria vida, para
impedir que o Brasil seja arrastado a aventuras inconsequentes, e
segundo porque a devoção à honra, à ética, à moral e à Pátria
faz com que as FFAA sejam a instituição de maior prestígio junto
ao povo brasileiro. É essencial para aqueles grupos que a imagem de
seus integrantes seja denegrida perante a população.
Eles são pintados
como seres sádicos, sedentos de sangue, torturadores cruéis, que
escolhiam suas vítimas entre pessoas inocentes e ingênuas, sem
qualquer vínculo com as monstruosidades que o terrorismo vinha
praticando, que eram aprisionadas, torturadas e eventualmente até
mortas sem ter a mínima ideia do porque daquelas atitudes contra
elas.
É possível que tenha
havido violações por parte dos agentes da lei no combate ao
terrorismo. Mas suas vítimas nunca foram inocentes e, menos ainda,
ingênuas. Os excessos, se os houve, foram cometidos no ardor do
empenho em prever e neutralizar atentados terroristas, estes sim, que
matavam e feriam, a torto e a direito, civis absolutamente inocentes
e espalhavam a insegurança e o medo entre a população ordeira e
pacífica. É preciso ter vivido naquela época, ou ter a humildade
de procurar se esclarecer a respeito, para entender a
excepcionalidade do momento que se vivia.
Se houve ilícitos, os
houve de ambos os lados, em uma situação de guerra revolucionária.
A Lei da Anistia, ampla, geral e irrestrita, tão enfaticamente
exigida pelo povo brasileiro, veio para pacificar a Nação e apagar
as nódoas do passado sepultando definitivamente as violações
por parte de todos os envolvidos. Se for verdade que as forças do
Estado agiram mal contra terroristas, isso só ocorreu tentando
evitar que aqueles indivíduos continuassem semeando a morte e a
destruição no seio do povo. Se uns forem passíveis de execração
pública, outros o serão ainda mais, pela aleatoriedade de seus
alvos.
A Senhora parece
espantar-se com o fato de o Gen. Rocha Paiva lançar dúvida sobre a
ocorrência ou não de tais crimes e de tortura nas instalações
militares da época. Essa dúvida existe sim, pois a orientação da
esquerda, muito bem explicitada pelo ator comunista Mario Lago, era
para que qualquer um que tivesse sido detido, qualquer que fosse o
motivo ou a duração de sua detenção, declarasse peremptoriamente
ter sido barbaramente torturado. Logo, cabe perfeitamente dúvida
sobre se a Exma. Senhora presidente da República tenha realmente
sofrido qualquer mau trato que seja.
Por isso tudo, uma
comissão de tal ordem é impossível dentro do ambiente de mentiras
e malfeitos em que está mergulhado nosso país, ambiente esse
previamente criado por aqueles que agora se transvestem em paladinos
da verdade. Os militares não seriam contra comissão nenhuma se
houvesse a garantia absoluta de que, sob o manto da Lei da
Anistia, a verdade, toda a verdade e somente a
verdade fosse seu objetivo. Se se buscasse mostrar o que aconteceu,
porque aconteceu, quem fez o que e porque o fez. Aí sim, se teria
uma Comissão da Verdade com letras maiúsculas. Mas o que se deseja
é dar aos terroristas de ontem a auréola de libertadores democratas
e aos militares de sempre a pecha de criminosos cruéis.
Militares
de ontem, de hoje e de sempre jamais se envergonharão de seu papel
naqueles tempos de exceção. Patrícios nossos, mas agindo em nome
de Cuba, da China e da Rússia, pegaram em armas para implantar o
comunismo em nossa Pátria. Foram derrotados. Vieram, mas não
passaram. E assim será sempre, porque assim os soldados da Pátria
juraram que tem que ser.
Os
militares brasileiros não se pejam de serem submetidos ao poder
civil, pois que isso é uma característica republicana e eles são
guardiões da República. O poder político não faz parte de seus
objetivos, nem remotamente. As FFAA são instituições de Estado,
fieis servidoras da Pátria, respeitando a autoridade de todo e
qualquer governo democraticamente eleito e respeitador da
Constituição ele também. Excepcionalmente, esses votos foram
rompidos em 1964, em uma operação extrema de garantia da lei e da
ordem, por exigência direta do povo nas ruas.
Agradecendo
profundamente por seu tempo e desejando que minhas palavras tenham
despertado na Senhora o desejo de aprofundar seu conhecimento sobre
aquela época, aproveito esta rara oportunidade para apresentar-lhe
meus protestos de respeitosa consideração.
Cordialmente,
José Gobbo Ferreira
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