terça-feira, 13 de março de 2012

Gen José Gobbo Ferreira responde a Mírian Leitão sobre a Comissão da Verdade

Seguem abaixo dois textos: o primeiro foi o artigo "Círculo Militar", publicado no blog da jornalista Miriam Leitão, inserido no site do jornal O Globo, e o segundo, a carta do General e cidadão José Gobbo Ferreira, em resposta a ela. 

Como tenho dito, estamos começando a despertar e a fazer o dever de casa que o Brasil nunca fez: combater o esquerdismo no campo das ideias. Está cada vez mais difícil aos jornalistas engajados mentir ao público...




Por Miriam Leitão

O país tem discutido, nos últimos dias, o passado do regime militar. É tarde, mas não tarde demais. A sociedade decidirá o alcance desse reencontro, mas o passado deve ser revisitado se o país escolheu jamais repetir aquele erro. Novas informações surgem sobre histórias antigas, novos caminhos jurídicos. Os militares repetem o velho enredo de vetar o debate. O governo ainda não nomeou os integrantes da Comissão da Verdade.

Vladimir Herzog foi morto há 36 anos, com apenas 38 anos, horas depois de entrar no DOI-Codi, no II Exército. Tinha endereço certo, dirigia o jornalismo na TV Cultura, não demonstrou qualquer intenção de fugir, apresentou-se para depor, nunca houve culpa formada, não se sabe do que foi acusado, não se sabe até hoje como o mataram.

Uma nova foto, omitida na época, mostra o que sempre soubemos e dá mais clareza à farsa montada para tentar esconder a verdade. Foi publicada nos últimos dias no site organizado pelo deputado Miro Teixeira (www.leidoshomens.com.br). Pelo ângulo se vê que se quisesse cometer suicídio ele amarraria a faixa na grade superior. O site mostra também uma carta do general Newton Cruz ao então chefe do SNI, João Figueiredo, revelando a luta intestina dentro do aparelho repressor.

Nestes 27 anos de democracia já deveria ter havido a busca da verdade sobre as circunstâncias das mortes e dos desaparecimentos políticos. Não é revanchismo. É uma obrigação do Estado para com as famílias e a História. Sempre que o assunto retorna, os militares calam a discussão. A fórmula é conhecida: os da reserva fazem notas com protestos e ameaças veladas, os comandantes da ativa fazem pressão por dentro, usando como prova da insatisfação da tropa as notas dos aposentados. Assim se forma o círculo do veto. O poder civil recua.

Herzog é uma das tantas feridas que não cicatrizam porque não é uma questão de tempo, e sim de prestar contas do crime que o Estado cometeu. O governo democrático não buscou os fatos com a diligência que a construção institucional exige. Essa falha permite que os militares mantenham sua versão. O general Luiz Eduardo Rocha Paiva afirmou na entrevista que me concedeu que “ninguém pode dizer que ele (Herzog) foi morto pelos agentes do Estado. Nisso há controvérsias. Ninguém pode afirmar”. O Instituto Vladimir Herzog reagiu com nota de repúdio.

Por que um general que estava até 2007 em postos importantes é capaz de levantar tal dúvida? Porque sempre que eles mandaram o país interromper a conversa sobre Herzog e qualquer outro foram obedecidos. Em outubro de 2004, o “Correio Braziliense” publicou fotos que supostamente eram de Herzog. Isso detonou uma crise militar. O serviço de comunicação do Exército publicou uma nota em que justificava torturas e mortes. “As medidas tomadas pelas Forças Legais foram uma legítima resposta à violência dos que se recusaram ao diálogo, optaram pelo radicalismo e pela ilegalidade e tomaram a iniciativa de pegar em armas e desencadear ações criminosas.”

O então ministro da Defesa, José Viegas, exigiu do comandante do Exército, Francisco Roberto de Albuquerque, uma nota de retratação. O general optou por uma nota na primeira pessoa em que dizia que aquela forma de abordar o assunto não era adequada. O Exército jamais se retratou. O ministro Viegas deixou o posto dizendo que o pronunciamento provava a persistência do “pensamento anacrônico” da “doutrina de segurança nacional” em plena vigência da democracia.

Esse não foi o primeiro nem o último evento em que os militares constrangeram o poder civil. Foi o mais explícito porque Viegas deu transparência aos fatos. Ele disse em sua saída que achava inadmissível que as Forças Armadas não demonstrem “qualquer mudança de posicionamento e de convicções”. Disse que considerava inaceitável que se usasse o nome do Ministério da Defesa para “negar ou justificar mortes como a de Vladimir Herzog”.

Lembrar esse episódio nos ajuda a ver como é persistente o veto militar a duas providências fundamentais: procurar as informações que à época foram negadas pela ditadura; promover uma renovação do pensamento das Forças Armadas sobre seu papel naquele período.

O general Rocha Paiva não é um ponto fora da curva; ele representa o pensamento majoritário dos militares da ativa e da reserva. Isso fica provado também no número de oficiais, que estavam no comando até recentemente, que assinaram a nota de protesto dos clubes militares contra a Comissão da Verdade. Eles pensam hoje o que sempre pensaram. Rocha Paiva disse, por exemplo, que não há provas do crime do Caso Riocentro (a transcrição na íntegra da entrevista está no post abaixo).

Como o pensamento das Forças Armadas não foi atualizado, novas gerações estão sendo formadas nessa convicção. O desvio tem se perpetuado. Eles ainda defendem como legítimo o que houve nos 25 anos de exceção, ainda cultuam os ditadores como heróis, ainda protegem os torturadores e sonegam informações. Se o governo se deixar intimidar na Comissão da Verdade estará capitulando diante da pressão do círculo militar.

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Prezada Senhora Miriam Leitão:

Tendo lido seu artigo “Círculo Militar” e, dada a elevada conta em que tenho sua inteligência, me sinto obrigado a entrar em contato com a Senhora para lhe oferecer, com profundo respeito às suas opiniões pessoais e ao seu direito de expressá-las, uma interpretação, também pessoal, do problema da chamada comissão da verdade, uma vez que nele a Senhora acusa os militares brasileiros, entre outras coisas, de se oporem radicalmente a sua criação.

O problema fundamental é que vivemos em uma época em que o partido de plantão no poder não merece qualquer confiança nos quesitos ética, moral, justiça, respeito e, em consequência, verdade. Não há como acreditar que esse grupo queira, de fato, buscá-la. O Cristo é claro quando afirma que “...a árvore ruim não pode dar bons frutos.”

Com efeito, as esquerdas brasileiras, derrotadas no campo de luta pela contrarrevolução de 1964, se esmeraram desde então em uma campanha de propaganda bem ao tipo Gramsci, visando reescrever a história, distorcendo fatos, negando suas verdadeiras intenções e demonizando aqueles que os enfrentaram e venceram naquela oportunidade.

A verdade é que os grupos que foram combatidos não desejavam, de maneira nenhuma, “restabelecer a democracia no Brasil”, como dizem, mas sim fazer exatamente o contrário, estabelecendo no país uma ditadura comunista. Esse desiderato é hoje confirmado por inúmeros então participantes daquelas manobras, hoje desiludidos e trazidos à luz da razão pelo amadurecimento político e pelo convencimento da absoluta falta de competência daquele regime para trazer o bem estar ao povo, embora excepcionalmente efetivo para promover o enriquecimento pessoal ilimitado dos membros da “intelligentsia” do partido.

Os militares em particular constituem o alvo preferencial de suas manobras escusas, primeiro porque nunca deixarão de agir, por todos os meios de que disponham, até mesmo com o sacrifício da própria vida, para impedir que o Brasil seja arrastado a aventuras inconsequentes, e segundo porque a devoção à honra, à ética, à moral e à Pátria faz com que as FFAA sejam a instituição de maior prestígio junto ao povo brasileiro. É essencial para aqueles grupos que a imagem de seus integrantes seja denegrida perante a população.

Eles são pintados como seres sádicos, sedentos de sangue, torturadores cruéis, que escolhiam suas vítimas entre pessoas inocentes e ingênuas, sem qualquer vínculo com as monstruosidades que o terrorismo vinha praticando, que eram aprisionadas, torturadas e eventualmente até mortas sem ter a mínima ideia do porque daquelas atitudes contra elas.

É possível que tenha havido violações por parte dos agentes da lei no combate ao terrorismo. Mas suas vítimas nunca foram inocentes e, menos ainda, ingênuas. Os excessos, se os houve, foram cometidos no ardor do empenho em prever e neutralizar atentados terroristas, estes sim, que matavam e feriam, a torto e a direito, civis absolutamente inocentes e espalhavam a insegurança e o medo entre a população ordeira e pacífica. É preciso ter vivido naquela época, ou ter a humildade de procurar se esclarecer a respeito, para entender a excepcionalidade do momento que se vivia.

Se houve ilícitos, os houve de ambos os lados, em uma situação de guerra revolucionária. A Lei da Anistia, ampla, geral e irrestrita, tão enfaticamente exigida pelo povo brasileiro, veio para pacificar a Nação e apagar as nódoas do passado sepultando definitivamente as violações por parte de todos os envolvidos. Se for verdade que as forças do Estado agiram mal contra terroristas, isso só ocorreu tentando evitar que aqueles indivíduos continuassem semeando a morte e a destruição no seio do povo. Se uns forem passíveis de execração pública, outros o serão ainda mais, pela aleatoriedade de seus alvos.

A Senhora parece espantar-se com o fato de o Gen. Rocha Paiva lançar dúvida sobre a ocorrência ou não de tais crimes e de tortura nas instalações militares da época. Essa dúvida existe sim, pois a orientação da esquerda, muito bem explicitada pelo ator comunista Mario Lago, era para que qualquer um que tivesse sido detido, qualquer que fosse o motivo ou a duração de sua detenção, declarasse peremptoriamente ter sido barbaramente torturado. Logo, cabe perfeitamente dúvida sobre se a Exma. Senhora presidente da República tenha realmente sofrido qualquer mau trato que seja.

Por isso tudo, uma comissão de tal ordem é impossível dentro do ambiente de mentiras e malfeitos em que está mergulhado nosso país, ambiente esse previamente criado por aqueles que agora se transvestem em paladinos da verdade. Os militares não seriam contra comissão nenhuma se houvesse a garantia absoluta de que, sob o manto da Lei da Anistia, a verdade, toda a verdade e somente a verdade fosse seu objetivo. Se se buscasse mostrar o que aconteceu, porque aconteceu, quem fez o que e porque o fez. Aí sim, se teria uma Comissão da Verdade com letras maiúsculas. Mas o que se deseja é dar aos terroristas de ontem a auréola de libertadores democratas e aos militares de sempre a pecha de criminosos cruéis.

Militares de ontem, de hoje e de sempre jamais se envergonharão de seu papel naqueles tempos de exceção. Patrícios nossos, mas agindo em nome de Cuba, da China e da Rússia, pegaram em armas para implantar o comunismo em nossa Pátria. Foram derrotados. Vieram, mas não passaram. E assim será sempre, porque assim os soldados da Pátria juraram que tem que ser.

Os militares brasileiros não se pejam de serem submetidos ao poder civil, pois que isso é uma característica republicana e eles são guardiões da República. O poder político não faz parte de seus objetivos, nem remotamente. As FFAA são instituições de Estado, fieis servidoras da Pátria, respeitando a autoridade de todo e qualquer governo democraticamente eleito e respeitador da Constituição ele também. Excepcionalmente, esses votos foram rompidos em 1964, em uma operação extrema de garantia da lei e da ordem, por exigência direta do povo nas ruas.

Agradecendo profundamente por seu tempo e desejando que minhas palavras tenham despertado na Senhora o desejo de aprofundar seu conhecimento sobre aquela época, aproveito esta rara oportunidade para apresentar-lhe meus protestos de respeitosa consideração.
Cordialmente,

José Gobbo Ferreira  


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