João Bosco Leal
Desde os tempos mais remotos, o aprendizado humano está intimamente ligado à dor e ao sofrimento. Muitos morreram comendo frutos selvagens que eram tóxicos, atacados por animais que pensavam ser dóceis ou foram feridos tentando domesticar outros.
Incontáveis experimentos foram realizados pelo homem para que hoje pudéssemos usufruir de coisas consideradas banais, como um prato de feijão. Muitas espécies foram testadas, tanto em sua cultura como no cozimento do grão, até se chegar ao hoje utilizado como alimento diário. O mesmo ocorreu com o arroz, a batata, a mandioca, as frutas e os mais diversos tipos de proteina animal. Milhares de testes foram relizados com os animais que poderiam servir para nos alimentar até que se chegasse a uma opção mais comum, a dos bovinos.
Desde os dinossauros e mamutes, até os atuais cavalos, cães, gatos e ratos, centenas de espécies animais e insetos foram abatidas para serem experimentadas como alimento. Ovos das mais diversas espécies, inclusive os de cobras foram comidos pelo homem. Conheci pessoas que há poucas décadas comiam macacos e no passado já me alimentei da carne de vários tipos de tatú, capivaras, jacarés, veados, pacas, perdizes e rãs.
No meio rural ainda ouvimos coisas como: a moela da ema serve para o tratamento de úlceras, a banha da sucuri é ótima para problemas musculares, o sebo do carneiro é excelente para entorces e muitas outras crendices populares, algumas sem nenhum fundamento e outras tão eficientes que inclusive forneceram subsídios para estudos médicos e científicos. Milhares de ervas medicinais atualmente utilizadas pelo homem possuem sua origem no conhecimento dos índios e dos caboclos, que aprenderam com seus antepassados.
Em 1972, durante minha primeira das várias caminhadas a cavalo por picadas de seringueiros em plena floresta amazônica, no estado do Acre, aprendi que após as 14:00 horas já era praticamente noite dentro da mata, em virtude da altura das árvores e do grau de inclinação dos raios solares naquele horário e que nunca deveríamos urinar próximo de uma nascente de água, pois a urina contém sal e muitos animais, por sua carência, seriam atraídos para lamber o chão onde o mesmo ficaria depositado, também urinariam e seu pisoteio no local úmido tornaria aquela água imprópria para o consumo dos que por ali passassem posteriormente.
Esse tipo de aprendizado, o da experiência prática, durante séculos custou a vida dos devorados por animais, dos que morreram envenenados por plantas tóxicas, dos que foram usados como cobais em testes de novos remédios e vacinas e décadas foram necessárias para que se descobrisse a utilidade do caldo viscoso que escorria da seringueira quando seu tronco era riscado.
Atualmente, todos os remédios e vacinas são produzidos com melhores resultados e menos riscos e as seringueiras, de espécies selecionadas e clonadas, são cultivadas em áreas contínuas, produzem muito mais e geram muito mais lucro.
Mesmo com toda essa tecnologia e sabendo dos desastres já provocados no passado, suas consequências para os seres humanos e o meio ambiente, os governos continuam criando conflitos, investindo na construção de bombas e gastando mais com armamentos para seus exércitos do que com educação e saúde para seus governados.
Foram as dores e mortes ocorridas durante milênios que possibilitaram nossa chegada aos dias atuais e mesmo com todo o sofrimento vivido por nossos ancestrais ainda não aprendemos o suficiente para sermos capazes de construir um futuro melhor para nossos descendentes? Ou viveremos eternamente como as ostras, incapazes de produzir pérolas se não forem feridas com a ingestão de um corpo estranho?
Não podemos mais continuar sofrendo ou fazendo sofrer para aprender. Os investimentos na produção de alimentos, educação e saúde pública devem ser, em qualquer país, muito mais importantes e prioritários que armar seus exércitos ou realizar copas do mundo, como se pretende fazer no Brasil.
* Jornalista, escritor e produtor rural
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