sábado, 7 de março de 2015

O enigmático pensamento econômico de Dilma

dilma
Durante a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, costumava-se dizer que os tucanos estavam divididos. Havia o grupo dos desenvolvimentistas ou heterodoxos e o grupo dos monetaristas ou ortodoxos. Essa discussão ficou esquecida por anos, mas, recentemente, voltou ao centro do debate político/econômico nacional. Porém o que significa monetarismo, desenvolvimentismo e o que isso tem a ver com o momento que estamos vivendo? É sobre isso que eu vou tratar aqui nesse post.
O referido debate remete a duas grandes tradições na interpretação do processo de desenvolvimento econômico. A tradição liberal, cujo grande patriarca é Adam Smith (1723-1790), entende que as forças de mercado funcionando livremente, sem interferência do governo, tendem a conduzir a economia a uma situação de maior eficiência. Nos anos 1960, o economista norte-americano Douglass North trouxe uma importante contribuição para essa corrente de pensamento ao enfatizar o papel desempenhado pelas instituições. Para entender como os economistas liberais entendem a questão do desenvolvimento econômico, podemos recorrer ao famoso exemplo do jogo de futebol.
Para que possamos ter uma boa partida de futebol, são necessários: um estádio, jogadores, regras e um juiz. Nesse exemplo, o estádio representa a infra-estrutura; os jogadores, as empresas privadas; as regras, o marco regulatório institucional e o juiz, o governo. No modelo liberal, quem joga são os jogadores (empresas privadas), o juiz (governo) não joga. Para que tenhamos uma boa partida, as regras têm de ser claras e o juiz tem de garantir o seu cumprimento.
A segunda tradição é tributária às idéias do economista alemão Friedrich List (1789-1846). No século XX, essa corrente de pensamento ganhou força a partir de uma interpretação específica das idéias keynesianas (que eu particularmente discordo). Na América Latina, o desenvolvimentismo elaborou idéias originais com o surgimento da escola estruturalista, cujos grandes expoentes foram Raúl Prebisch (1901-1986) e Celso Furtado (1920-2004). Desenvolvimentistas costumam citar também países asiáticos, especialmente o Japão, como exemplos de sucesso de suas políticas.
O caso da Toyota é um exemplo muito claro e elucidativo. A Toyota surgiu como indústria de máquinas têxteis e passou a produzir automóveis a partir de 1933. Determinados a terem a sua própria indústria automobilística, os japoneses expulsaram a Ford e a GM do país em 1939. Além disso, o governo japonês injetou grandes quantias de dinheiro na empresa. Em1958, a Toyota tentou exportar automóveis para os Estados Unidos pela primeira vez. O fracasso foi total, pois os carros japoneses eram de péssima qualidade. Mesmo assim o governo não desistiu e continuou apoiando a empresa. Hoje, a marca Toyota virou sinônimo de eficiência e qualidade.
Qual o entendimento que o PT tem sobre desenvolvimento econômico? Tradicionalmente, o PT sempre esteve mais próximo das idéias desenvolvimentistas. Surpreendentemente para alguns, ao assumir o poder, em 2003, Lula optou por uma gestão ortodoxa da política econômica. Essa opção foi muito bem sucedida até 2008, quando eclodiu a crise financeira global. O governo respondeu à crise com uma plataforma anticíclica: queda dos juros, incentivos fiscais ao consumo, aumento dos gastos e da dívida pública. Essa política teve resultados positivos. Em 2010, a economia brasileira cresceu 7,5%. O erro do PT aconteceu a partir daí. Não é possível expandir as políticas monetária e fiscal indefinidamente. O que deveria ser um remédio passageiro passou a integrar a chamada “nova matriz econômica”. Some-se a isso o aumento do intervencionismo público. Ao tentar implementar uma versão tropical do modelo de desenvolvimento asiático, o governo fortaleceu o nosso bom e velho capitalismo de compadres. O resultado desse desvio de rota todos sabemos: queda dos investimentos, estagnação econômica e inflação.
O conserto que Dilma tem de fazer no estrago que ela mesma produziu é enorme. A presidente parece estar profundamente contrariada. É evidente que ela delegou o reajuste fiscal ao novo Ministro da Fazenda por uma questão de necessidade e não de convicção. Vários economistas estimam que Joaquim Levy deve levar aproximadamente dois anos para deixar a casa em ordem. O que vai acontecer a partir de então? A presidente mantém a ortodoxia econômica (que ela aparentemente abomina) ou embarca em uma nova aventura desenvolvimentista? É isso que todos querem saber.

Sobre o autor

Ivan Dauchas
Ivan Dauchas é economista formado pela Universidade de São Paulo e professor de Economia Política e História Econômica.
Matéria extraída do website do Instituto Liberal

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