sábado, 6 de dezembro de 2014


Inutilidades de certas retóricas.
                                                                        Antônio Contente
Há frases que são pronunciadas para marcar um instante, um dia, um mês, um ano ou a eternidade.  Sendo esta, aliás, em muitos casos inconscientemente, a intenção dos autores a querer carimbar uma vida. Certamente naquele dia de janeiro de 1822, conscientemente, D. Pedro I (1789-1834) sabia muito bem o que estava a dizer quando bradou o “se for para o bem de todos e a felicidade geral da nação, digam ao povo que fico”. Se você, amigo, se dispuser a navegar sobre boas frases que guarda no fundo d’alma, é bem provável que ache Fernando Pessoa (1888-1935) a garantir: “Tenho em mim todos os sonhos do mundo”. Recuando mais, poderá muito bem rever o escritor inglês Charles Dickens (1812-1870) a gemer o “nunca devemos nos envergonhar das nossas próprias lágrimas”.
Frases outras há, no entanto, que levam, inapelavelmente, às inutilidades de certas retóricas. Faço esta reflexão mínima, exígua, quase diria nano, por ter concluído que, antes de morrer, faz alguns dias, o famoso advogado Márcio Thomas Bastos bem poderia ter passado desta para a melhor sem pronunciar algo que pronunciou talvez a imaginar, com isso, estar a fazer história. Quando, na verdade, ocorre justamente o contrário. Vai ver ele apenas se refugiou na sentença de Daniel Webster (1782-1852) para quem o passado, pelo menos, é seguro. Isso quando antes de exalar o último suspiro, tinha todas as condições de derramar fortes lampejos de luz sobre o nosso futuro. É bem provável que vocês, leitores, tenham tomado conhecimento de que, dias antes de morrer, Bastos, ministro da Justiça no primeiro mandato de Lula, chamou seus familiares e, apontando para um cofre encravado na parede do aposento em que se encontrava, pronunciou a frase que nunca deveria ter pronunciado: “Ali está guardado o diário que escrevi durante meus anos de ministro petista. Só abram tal documento 50 anos depois da minha morte” ...
Ora, amigos, vamos falar a verdade, diante de sentença com tal consistente significado, somos levados a concluir um monte de coisas. A primeira pergunta é a mais óbvia: se for para ser revelado apenas meio século após o seu passamento, para que S. Excia. se deu ao trabalho de acumular tantas informações? Efetivamente que poderia muito bem ter empregado o enorme tempo gasto em tal cometimento de atividade intelectual que provavelmente se tornará inútil, aos bons prazeres que gostava de exercitar em vida. Como da gastronomia que celebrizou Jean Anthelme Brillat-Savarin (1775-1826), de quem era aplicado discípulo; ou Baco, de quem foi devoto sem conotações exageradas. Essas atribuídas sim, e com carradas de razão, ao presidente que o entronizou no ministério...
Outra pergunta que é lícito fazer diante do longo prazo de espera para que a posteridade saiba o que contém tal diário, resume-se a esta: afinal de contas, que revelações tão graves o documento diligentemente redigido embute? Afinal, ali estão comprimidos nada menos de quatro anos e três meses ou 1550 dias de trabalho do doutor sob as ordens do senhor Luís Inácio Lula da Silva. Que, segundo dizem as boas e más línguas, e os fatos comprovam, escapou inúmeras vezes de exercitar besteiras maiores do que as que exercitou, graças às intervenções de seu titular da Justiça...
Sabe-se que este pobre país vive, atualmente, alguns dos piores momentos de sua História, se não o pior. Pegando-se apenas isoladamente o Mensalão e o Petrolão, já há material suficiente para levar aos quintos dos infernos da esculhambação estes anos de mandarinato petista. E como tanto num dos episódios como no outro a presença de Thomas Bastos foi marcante, quem não nos garante que muita luz sobre episódios nebulosos poderia jorrar das páginas do diário se ele fosse aberto agora?
Bom, se a intenção do autor das anotações que só poderão ser conhecidas daqui a 18.250 dias foram redigidas para inocentar Lula de alguma maracutaia que o ex-ministro a fundo conhecia, de nada servirão; de outro lado, se para condena-lo pudessem servir, não menos, uma vez que o eventual culpado, ou inocente, se vivo puder estar, trafegará por improváveis 119 anos. Outros que, na mesma situação, sejam personagens das páginas redigidas, também por idades impossíveis navegariam; José Dirceu, 118 primaveras; e, Palocci, 104. Assim sendo, afinal de contas, para que o falecido doutor Márcio Thomas Bastos escreveu um diário? A meu ver, para pocha nenhuma.
Antônio Contente, 66, é jornalista e escritor paraense. O artigo foi especialmente escrito para a sua primeira publicação no Libertatum. Desde que seja citada a autoria, se é livre para divulgação do artigo.


        

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