Inutilidades
de certas retóricas.
Antônio
Contente
Há frases que são pronunciadas para marcar um
instante, um dia, um mês, um ano ou a eternidade. Sendo esta, aliás, em
muitos casos inconscientemente, a intenção dos autores a querer carimbar uma
vida. Certamente naquele dia de janeiro de 1822, conscientemente, D. Pedro I
(1789-1834) sabia muito bem o que estava a dizer quando bradou o “se for para o
bem de todos e a felicidade geral da nação, digam ao povo que fico”. Se você,
amigo, se dispuser a navegar sobre boas frases que guarda no fundo d’alma, é
bem provável que ache Fernando Pessoa (1888-1935) a garantir: “Tenho em mim
todos os sonhos do mundo”. Recuando mais, poderá muito bem rever o escritor
inglês Charles Dickens (1812-1870) a gemer o “nunca devemos nos envergonhar das
nossas próprias lágrimas”.
Frases outras há, no entanto, que levam,
inapelavelmente, às inutilidades de certas retóricas. Faço esta reflexão
mínima, exígua, quase diria nano, por ter concluído que, antes de morrer, faz
alguns dias, o famoso advogado Márcio Thomas Bastos bem poderia ter passado
desta para a melhor sem pronunciar algo que pronunciou talvez a imaginar, com
isso, estar a fazer história. Quando, na verdade, ocorre justamente o
contrário. Vai ver ele apenas se refugiou na sentença de Daniel Webster
(1782-1852) para quem o passado, pelo menos, é seguro. Isso quando antes de
exalar o último suspiro, tinha todas as condições de derramar fortes lampejos de
luz sobre o nosso futuro. É bem provável que vocês, leitores, tenham tomado
conhecimento de que, dias antes de morrer, Bastos, ministro da Justiça no
primeiro mandato de Lula, chamou seus familiares e, apontando para um cofre
encravado na parede do aposento em que se encontrava, pronunciou a frase que
nunca deveria ter pronunciado: “Ali está guardado o diário que escrevi durante
meus anos de ministro petista. Só abram tal documento 50 anos depois da minha
morte” ...
Ora, amigos, vamos falar a verdade, diante de
sentença com tal consistente significado, somos levados a concluir um monte de
coisas. A primeira pergunta é a mais óbvia: se for para ser revelado apenas
meio século após o seu passamento, para que S. Excia. se deu ao trabalho de
acumular tantas informações? Efetivamente que poderia muito bem ter empregado o
enorme tempo gasto em tal cometimento de atividade intelectual que
provavelmente se tornará inútil, aos bons prazeres que gostava de exercitar em
vida. Como da gastronomia que celebrizou Jean Anthelme Brillat-Savarin
(1775-1826), de quem era aplicado discípulo; ou Baco, de quem foi devoto sem
conotações exageradas. Essas atribuídas sim, e com carradas de razão, ao
presidente que o entronizou no ministério...
Outra pergunta que é lícito fazer diante do longo
prazo de espera para que a posteridade saiba o que contém tal diário, resume-se
a esta: afinal de contas, que revelações tão graves o documento diligentemente
redigido embute? Afinal, ali estão comprimidos nada menos de quatro anos e três
meses ou 1550 dias de trabalho do doutor sob as ordens do senhor Luís Inácio
Lula da Silva. Que, segundo dizem as boas e más línguas, e os fatos comprovam,
escapou inúmeras vezes de exercitar besteiras maiores do que as que exercitou,
graças às intervenções de seu titular da Justiça...
Sabe-se que este pobre país vive, atualmente,
alguns dos piores momentos de sua História, se não o pior. Pegando-se apenas
isoladamente o Mensalão e o Petrolão, já há material suficiente para levar aos
quintos dos infernos da esculhambação estes anos de mandarinato petista. E como
tanto num dos episódios como no outro a presença de Thomas Bastos foi marcante,
quem não nos garante que muita luz sobre episódios nebulosos poderia jorrar das
páginas do diário se ele fosse aberto agora?
Bom, se a intenção do autor das anotações que só
poderão ser conhecidas daqui a 18.250 dias foram redigidas para inocentar Lula
de alguma maracutaia que o ex-ministro a fundo conhecia, de nada servirão; de
outro lado, se para condena-lo pudessem servir, não menos, uma vez que o
eventual culpado, ou inocente, se vivo puder estar, trafegará por improváveis
119 anos. Outros que, na mesma situação, sejam personagens das páginas
redigidas, também por idades impossíveis navegariam; José Dirceu, 118
primaveras; e, Palocci, 104. Assim sendo, afinal de contas, para que o falecido
doutor Márcio Thomas Bastos escreveu um diário? A meu ver, para pocha nenhuma.
Antônio
Contente, 66, é jornalista e escritor paraense. O artigo foi especialmente
escrito para a sua primeira publicação no Libertatum. Desde que seja citada a
autoria, se é livre para divulgação do artigo.
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