O Paradoxo do valor e o socialismo
Por V. Camorim
O passado não pode ser esquecido porque ele esta no nosso
presente e, se não tirarmos a devida lição para consertá-lo ele tende a
permanecer pelo futuro afora. Isto está resumido no que me disseram a certo
momento que um problema mal resolvido no passado tem tudo para ser uma fabulosa
encrenca no futuro.
Economista austríaco, fundador da escola austríaca. Desenvolveu a teoria subjetiva do valor, a teoria da utilidade marginal, ligando-a à satisfação dos desejos humanos; o que refutou definitivamente a teoria do valor trabalho concebida impropriamente por Adam Smith e David Ricardo, do que se apropriou Karl Marx para erigir e desenvolver o monstruoso universo que suas sandices propiciaram.
Quando nos deparamos com as noticias que enchem as páginas
dos jornais, dos canais de televisão, das revistas que nos dão conta que vivemos
hoje em uma tremenda bagunça onde muitos clamam que estamos na rota do
socialismo, na rota de colisão com o desastre que foram os seus experimentos,
isto tudo vem a minha cabeça.
Há mais de um século se tenta sem sucesso a implantação do
socialismo. Apesar disso não cessa as investidas para mais uma vez torna-lo
realidade. Seus defensores esgrimem o mesmo argumento de que aquilo que
fracassou não era o verdadeiro socialismo, o que justifica uma nova investida.
Porque não tem dado certo, qual a sua razão? Ninguém faz esta pergunta e muito
menos leva em consideração que é um assunto eminentemente econômico. Não é
política, social, moral ou religiosa. Embora tenha as suas implicações. Não dá
certo porque não levam em consideração as inexoráveis leis da economia. Mas quanto
a sua origem vem de um outro ponto, de uma dúvida que se tentou resolver e não
se tendo sucesso favoreceu o seu surgimento. Fato que tanto os que lutam a seu
favor quanto aos que condenam devem ter em consideração. Este problema não
resolvido foi denominado de o aparente paradoxo do valor.
.
Os economistas clássicos se defrontaram com um problema de
difícil solução. Já atravessara os séculos e novamente se impunha. O que valia
mais, o ouro ou o pão, o diamante ou a água. Era como a reedição do enigma
grego: “decifra-me ou te devoro”.
Diferente de Édipo que decifrou o enigma e a esfinge se
lançou ao mar para não mais perturbar os habitantes de Corinto, os economistas
clássicos não puderam resolvê-lo e o paradoxo terminou dando corda para que a
teoria do valor trabalho continuasse reinando, perturbando até hoje. A
dificuldade de se chegar a este raciocínio era que a economia clássica continuava
presa ao conceito do valor trabalho. A idéia era que o trabalho era a medida do
valor que media todas as coisas. Tanto Adam Smith como David Ricardo de certa
maneira contribuíram com esta doutrina que levava inevitavelmente ao
socialismo. Argumentava-se na época que se o trabalho é a fonte do valor então
o capitalista é um gatuno que se apropria indevidamente do trabalho não pago ao
trabalhador. O ganho do capitalista era injusto. Quanto ao proprietário da
terra, a sua renda era igualmente injusta, é um dom da natureza e não poderia
ter justificativa alguma de ficar com sua renda visto inclusive de não ser produto
do trabalho humano.
Logo a renda deve ser reduzida ou eliminada e distribuída
aos que não tem terra. A condenação do sistema capitalista vinha logo em
seguida com o argumento sustentado por Malthus, que a sociedade era limitada
pela capacidade da produção agrícola o que resultava em períodos de escassez
que atingiam em cheio a classe trabalhadora sendo necessário a intervenção do
governo com programas sociais para dirimir seu sofrimento.
A teoria do valor trabalho jogada no ventilador desta
maneira confrontava de modo abrangente todos os argumentos dos economistas
clássicos que iam ficando na defensiva. De 1840 em diante o movimento pelo
socialismo experimenta um tremendo avanço. A questão de o que vale mais, o ouro
ou o pão, o diamante ou a água tinha um defeito logo de cara. Era abrangente,
universal e carecia de precisão. Estava mais para uma pergunta metafísica e uma
discussão bizantina. O problema, da forma como era formulada não poderia
resultar em uma resposta que fosse satisfatória. Carl Menger explica que o
homem troca sempre certa quantidade de um bem por outra quantidade do outro bem
e em momentos específicos ordenando cada porção numa hierarquia do que mais se
ajusta a sua satisfação.
Não escolhe entre o ouro e o pão, mas certa quantidade de
ouro por certa quantidade de pão em um determinado momento específico que em
outro pode não ser a mesma escolha. Procede desta mesma maneira com todos os
outros bens que ele preza em cada momento ser importante para si cujo fim é
aumentar a sua satisfação, elevar o seu bem estar ou satisfazer uma determinada
necessidade.
O aparente paradoxo do valor foi enfim vencido em 1871, por
Carl Menger, e ao que parece, demorando em aparecer, foi fatal. Chegou em uma
época em que só poucos prestaram atenção e a relevara. No mesmo momento em que
punha por terra toda idéia que alimentava a doutrina do socialismo este já se
encontrava inteiramente revigorada e sem controle. A Alemanha dava inicio ao
primeiro experimento do socialismo. A unificação da Alemanha e os programas de
governo tendo a frente Bismarck era também um sinal da derrota do capitalismo. Agora
era uma questão de tempo para o socialismo se espalhar como uma epidemia. A
plataforma política do que seria o governo do futuro e que iria orientar as
futuras gerações eram então lançadas e todas estavam de acordo que trabalhador
era o grande injustiçado e que merecia o comando da historia. E não foram
poucos que se apressaram para lutar por sua causa, sobretudo aqueles que nunca
trabalharam na vida. Surge a idéia do governo forte, o planejamento central, a
Previdência Social, o Seguro Desemprego e outras bondades que enaltece o
trabalhador como a mola do progresso.
O socialismo mais do que nunca se tornava o novo evangelho e
todos se voltavam para Alemanha como a Meca do novo credo. O mundo todo foi se contaminando e a era da
“desconstrução” teve seu começo. Ao mesmo tempo em que o capitalismo progredia,
a sua filosofia, o liberalismo, descia, se enfraquecia; em o socialismo subia,
se fortalecia, como numa espécie de gangorra.
II
A teoria do valor objetivo não tinha unanimidade entre os
economistas clássicos, mas não se conseguia explicar com clareza as suas
falhas. Era um defeito do pensamento que acompanhava a humanidade. O trabalho
era considerado como o criador da riqueza e do valor. Adam Smith se empenhou na
solução do problema e não tendo resposta satisfatória deixou de lado. David Ricardo entra em campo e depois de algum
esforço na tentativa de resolver as suas contradições insolúveis, deixa
igualmente de lado. Desta forma a economia clássica ficou marcada como a
ciência dos custos, do homem de negócio que compra barato para vender caro, que
procura produzir pelo menor preço para vender pelo maior preço, a ciência do
lucro. Marx que não era inteligente o suficiente para perceber a falha da
economia clássica entrou de cabeça no erro achando que tinha descoberto a
pólvora. Construiu seu sistema que apesar de não ter nenhuma validade para a
ciência econômica se tornou uma robusta ferramenta para a agitação política que
tem perturbado nosso ambiente até hoje.
Embora a idéia do valor subjetivo tenha chegado tarde na
arena onde se dava o combate das idéias, ela tornou possível responder algumas
questões que embaraçava os homens até então, a saber o papel do estado ou
governo
A teoria do valor subjetivo provocou uma revolução no modo
de ver o mundo. Colocou o individuo na qualidade de consumidor, como o supremo
comandante da economia ou mercado. A economia clássica tinha estacionado na
idéia um tanto dúbia que o homem de negócio era o motor da economia. A
aquisição desta nova ferramenta do raciocínio humano, a compreensão do valor
subjetivo, fez ver que o homem de negocio tem apenas a direção da economia,
pelo fato de que lhe cabe a combinação dos fatores de produção na criação do
melhor pelo menor preço e que o supremo comandante, a quem ele realmente
obedece, o que dá as ordens, é o consumidor. A correia de transmissão é o
sistema de preços. Demoliu entre outras tantas falácias algo caro demais aos
que tem o comando das rédeas do governo. Foi um recado bem claro: são desnecessários
e até nocivos quando se imiscuem nos negócios. O governo deve ser proscrito dos
negócios.
E assim fundamentou-se pela primeira vez a observação de que
o Estado ou governo tem apenas uma única função que é garantir o livre
funcionamento do mercado. Que deve se restringir apenas à atividade de proteção
dos indivíduos produtivos contra ataques de qualquer ordem, promovendo a paz, a
segurança e a justiça. Se permanecerem fora dos negócios e se ocuparem apenas
na produção da segurança fazem bem a todos exceto àqueles que têm atitude
anti-social. Mas se se imiscuem na economia, não fazem outra coisa senão favorecer
uns poucos em detrimento de muitos, criando privilégios. A sua interferência
sempre implica numa proibição e numa restrição do escopo do mercado criando
escassez. Implica também ser confisco e nunca doação provocando inevitavelmente
o atraso da economia e a corrupção generalizada.
A interferência ou regulação da economia por parte do
governo significa também uma degradação na moral que aos poucos contamina todo
o tecido social.
Forneceu a base para a compreensão que o estado ou governo
são apenas meios para se garantir um ambiente para que os indivíduos possam
escolher livremente e em segurança o que melhor possam se ajustar as suas
necessidades. O desejo de manter um limite no poder do governante negligenciando
o fato de que este deve ficar fora dos negócios, fora da economia, mostra uma
falsa compreensão do problema. Dar poderes de regular a economia ao governo é o
mesmo que lhe dar poderes de regular os indivíduos e torna-lo subalternos. Com
este poder o governo se torna uma entidade autônoma, com vida e vontade própria.
O individuo que for alçado a sua direção não se fará de rogado em exercê-lo em
toda a sua plenitude, pois é uma questão de tempo até ele perceber que os
eleitores colocaram em suas mãos um poder quase ilimitado.
Cria-se um governo intervencionista cuja força é por demais
poderosa para que possa ser contido por preceito moral ou religioso. O Estado e
governo limitado implicam na negação do poder de se imiscuir nos negócios
alheios, que é algo privado dos indivíduos e que só a eles competem a escolha
do que considerem melhor pra si. Estado ou governo e a economia são coisas
distintas. Os indivíduos, para que possam contar com a ordem e a lei em seu
próprio beneficio, devem manter o estado ou governo da mesma maneira que mantém
um fornecedor de serviço de segurança, que seja seu subordinado e não o
contrário, como se fosse o seu mandatário ou patrão.
Se os economistas clássicos tivessem resolvido este aparente
paradoxo, era bem provável que não tivéssemos convivendo com este problema. O
fato é que tudo que resulta desta falha se enraizou e até aqueles que se posicionam
contra o socialismo e suas manifestações, e lutam bravamente contra os partidos
que os adotaram, estão quase sempre influenciados por seus dogmas que nem se
apercebem. As eleições passadas, por exemplo, se pode ver que não são poucos os
que ainda não se aperceberam que o governo, mudando com este ou aquele
candidato, não mudaria a natureza do governo intervencionista e a continuidade
em direção ao desastre. O que deve mudar não é o governo, mas as idéias. Não se trata porem de mudar a idéia das massas,
mas dos intelectuais, pois são eles que despejam sobre as massas o conteúdo das
idéias que eles simplificam e que elas, as massas, adotam.
As massas não têm idéia própria. Seguem as
que lhes fornece os intelectuais que captam as idéias dos filósofos e dos
ideólogos.
V. Camorim, 66, autodidata, é colaborador de LIBERTATUM.
*Escrito como reflexão crítica ao ensaio “Restaurando o
Liberalismo” de James Buchanan, publicado em LIBERTATUM.
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