“Aqueles que não buscam
uma perspectiva histórica acabam prisioneiros de uma perspectiva histérica” (Do
Diário de um Diplomata). *Roberto de
Oliveira Campos
Por Ricardo Bergamini
Sempre me preocupei com
duas coisas. Uma é alcançar uma perspectiva histórica para escapar a uma
perspectiva histérica. Outra é não cair no fácil vezo da interpretação
conspiratória da história, atitude que segundo Arthur Schlesinger, é tão
atraente quanto falsa.
Um exemplo de
interpretação conspiratória – na qual o provocante mistério dispensa a
percuciente análise – é a celeuma que há tempos se levantou no Brasil em torno
do tema do planejamento familiar. Ou, em termos mais grosseiros, do controle da
natalidade... Algumas cabeças imaginosas entretinham sinistros pesadelos e
passaram a enxergar, por trás das exortações do Banco Mundial aos países
subdesenvolvidos para moderarem sua reprodução descuidada, missionários
americanos esterilizando índios na selva amazônica, a fim de manter espaços
vazios para futura invasão. Felizmente, essa onda amainou e muita gente passou
a descobrir o óbvio: a ocupação de territórios exige investimentos na
infra-estrutura, de sorte que multiplicar a população antes de multiplicar a
capacidade de investir é garantir o favelamento urbano e não o desbravamento da
selva. Ainda que lentamente, perde popularidade a teoria leporina do
desenvolvimento e começa a se diferenciar entre produtividade sexual e
produtividade econômica,
O JOIO DO TRIGO
Detenhamo-nos no útil,
porém não excitante, esporte de separar o joio do trigo. Há três razões válidas
na inquietação dos países subdesenvolvidos quanto à presente “moda” de combater
a poluição. A primeira é que certamente o grau de prioridade do esforço
antipolutor é menor nos países em desenvolvimento do que nas economias
saciadas. Aqueles sofrem ainda da mais rudimentar das poluições – a poluição da
pobreza. A preocupação fundamental é ainda aumentar a quantidade de bens.
Nas economias ricas, a um
tempo beneficiárias e escravas da civilização de consumo, o problema é melhorar
a qualidade de vida; e já se discutem seriamente teses como a do crescimento
zero da população ou a economia do não-crescimento. Há sem dúvida um certo
perigo de que, obcecadas com o conservadorismo, as instituições financiadoras
dos países industrializados se esqueçam de que o desenvolvimento econômico
pregresso desses países não se fez sem um bocado de devastação construtiva.
Preservar é, às vezes, uma receita de prudência e não uma fórmula de
mobilização; e é inescapável que o desenvolvimento econômico envolva um ciclo
de uso, desperdício e reposição.
A segunda preocupação
válida diz com a repartição de responsabilidade entre Governo e a iniciativa
privada no combate à poluição. A tendência nos países mais industrializados tem
sido a fixação de normas e a imposição de exigências pelos governos, com severo
encarecimento de custos para a empresa privada. Nos países em desenvolvimento,
onde o setor privado é geralmente mais débil, cabe aos governos assumir maior
responsabilidade e maior parcela dos custos, sob pena de estiolarem o
crescimento da indústria privada.
Quando há elevação substancial de custos pela exigência de dispositivos
antipoluentes, cabe aos governos compartilhar o custo adicional, ou
subvencionar o custo adicional das instalações.
A terceira preocupação
válida diz com o problema de tecnologia. A responsabilidade da pesquisa de
métodos e equipamentos não-poluentes deve caber aos países industrializados; e
o acesso a essa pesquisa deve ser facilitado aos países em vias de
desenvolvimento. Pois é claro que os países industrializados não apenas são os
principais responsáveis pela poluição, como dispõem de maiores recursos
financeiros e tecnológicos, enquanto os parcos recursos dos países
subdesenvolvidos devem ser obsessivamente concentrados no aumento da
produção.
PRAGMATISMO SEM HISTERIA
De outro lado, o receio de substancial encarecimento dos investimentos pode ser temporário. Na medida em que, como resultado do novo evangelho conservacionista, melhore a tecnologia e aumente a escala de produção de equipamentos antipoluidores, os custos destes tenderão a declinar mais ou menos rapidamente. Dessarte, ao invés de se encarar o movimento antipoluidor como um capricho bizarro de países ricos, ou como um complô para dificultar nossa industrialização, deveríamos marchar para uma atitude mais pragmática. Sempre que as agências financeiras internacionais, ou os governos doadores de auxílio, insistirem em encarecer instalações, em virtude de exigências antipoluidoras feitas aos países em desenvolvimento, esse custo adicional deveria ser financiado com uma ampliação de auxílio, ou com empréstimos mais suaves e lenientes, de forma que o investimento preventivo não subtraísse recursos ao investimento produtivo. Muitos entre nós defendem a industrialização de “cara suja” como se fora uma atitude heróica, mas trata-se de heroísmo fútil se aumenta o consumo de sabão....
Lembremo-nos, finalmente, de que se o grande e dramático problema dos países em desenvolvimento é a poluição do homem pela pobreza, há outros tipos de poluição quase tão graves: a poluição do coração pela suspicácia e da mente pela burrice.
*Defensor apaixonado do
liberalismo. Economista, diplomata e político também se revelou um intelectual
brilhante. De sua intensa produção, resultaram inúmeros artigos e obras como o
livro A Lanterna na Popa, uma
autobiografia que logo se transformou em best-seller. Foi ministro do
Planejamento, senador por Mato Grosso, deputado federal e embaixador em
Washington e Londres. Sua carreira começou em 1939, quando prestou concurso para
o Itamaraty. Logo foi servir na embaixada brasileira em Washington, e, cinco
anos depois, participou da Conferência de Bretton Woods, responsável por
desenhar o sistema monetário internacional do pós-guerra.
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