sábado, 2 de outubro de 2010

A esquerda que se opõe à esquerda

Por Leonardo Bruno
(extraído do seu blog Conde Loppeux de la Villanueva)

Jornalistas, juristas, intelectuais, artistas, professores, enfim, gente envolvida da USP e da nata da inteligentsia paulistana, criaram o alardeado “Manifesto pela Defesa da Democracia”, contra os desmandos e perigos do governo Lula para as liberdades civis e políticas e instituições democráticas, além da ameaça contra a liberdade de imprensa. Muitos blogs e sites de tendências não-esquerdistas estão apoiando o tal manifesto. No entanto, embora alguns liberais e conservadores estejam empolgados com essa declaração, na prática, porém, alguma coisa está errada com esse movimento. É que na verdade, quem encabeça a declaração de defesa do sistema democrático são as mesmíssimas criaturas ressentidas que promoveram o governo atual.


Que moral tem esquerdistas históricos como o "jurista" Hélio Bicudo, o “jornalista” Arnaldo Jabor, o “filósofo” Arthur Giannotti, o cardeal bolchevista chique Dom Paulo Evaristo Arns em criticar o governo Lula, se foram, muitas vezes, seus fiéis promotores? Que moral eles têm em criticar um governo que julgam “antidemocrático”, se sempre se engajaram na ideologia totalitária do PT? Seria muita ingenuidade crer que essas sumidades intelectuais e políticas paulistanas desconhecessem os intentos ditatoriais do governo atual.
Os liberais e os conservadores, como sempre, prestam-se a fazer pose de bobos, de massa para outras esquerdas. Na pior das hipóteses, as pessoas realmente defensoras da democracia não têm voz própria que defina o caráter dos seus valores. Pelo contrário, para criticar as esquerdas, tem que ser de esquerda ou passar pelo seu crivo. Ou na pior das hipóteses, participarem de uma espécie de ecumenismo ideológico com ela. Há gente que acredita piamente que dialogar com a esquerda dita “democrática” ou se unir a ela é prova de tolerância, de bom senso, de espírito pluralista. Na verdade, o Manifesto dito “democrático” apenas reitera o elemento totalitário esquerdista no âmbito da cultura ou da política. Por mais que haja um credo liberal em alguns tópicos do texto, na prática, contudo, é a esquerda fazendo oposição contra a esquerda. 

Alguém poderia objetar afirmando que a democracia deve ser um consenso entre os grupos políticos e sociais e que tal manifesto tem a vocação de unir tendências diferenciadas de ideologias na sociedade. No entanto, quando a esquerda controla até as manifestações oposicionistas da chamada sociedade civil, não se pode dizer que isso é pluralismo. Se os liberais e os conservadores, carentes de representatividade ou organização própria, precisam de seres toscos como o Sr. Hélio Bicudo ou Dom Paulo Evaristo Arns, históricos petistas, é porque realmente não existe pluralidade alguma. 

O mesmo se pode dizer do PSDB. É muita ingenuidade acreditar que o tucanato seja, de fato, uma oposição séria ao PT. Na verdade, percebe-se que são duas faces da mesma moeda, dois partidos cujas origens históricas e intelectuais são comuns. Dilma Rousseff era terrorista e José Serra era amiguinho de grupelho pseudo-católico, a Ação Popular, que virou terrorista. Fernando Henrique Cardoso e Arthur Giannotti eram marxistas históricos que viraram tucanos de ocasião, ora rendendo loas à social-democracia, fazendo concessões ao mercado, ora apoiando a revolução cultural gramsciana. Se alguém foi responsável pela expansão das mazelas culturais esquerdistas atuais, o PSDB tem sólida contribuição, divulgando em massa a ideologia politicamente correta que assola a educação, o linguajar, o pensamento e o imaginário do país. O PSDB e o PT são solidários no crime de destruírem o país na alma. 

Neste ínterim, mais uma vez, os liberais e os conservadores servem de coro para essa gente, na falta de opção. Vazios de estruturas próprias, acreditam em cada promessa dessa esquerda dita “democrática” e se atomizam, cada vez mais, na sua falta de identidade e organização política. Em outras palavras, as pessoas que fazem oposição ao governo Lula mal percebem o tipo de controle que há nestas manifestações. A briga é tão somente do petismo e do tucanato fora do poder contra o petismo que está no poder. Os liberais e os conservadores apenas dão força à máscara da hegemonia cultural e política das esquerdas. 

Eu jamais me aliaria a Hélio Bicudo ou ao cardeal bolchevista Arns para a defesa da democracia. Aliás, eles, como católicos, são tristes, indignos e lutaram pelas causas mais inimigas da Igreja Católica. É uma das esquizofrenias estranhas da chamada “esquerda católica”: são aliados políticos dos abortistas, dos materialistas, dos comunistas, dos ateus militantes, dos apologistas do movimento gay, dizendo-se crentes em Deus, defensores da tradição matrimonial e da vida. Tal conduta política beira a mais completa burrice e estupidez. Ou mesmo a safadeza intelectual. Às vezes me pergunto como seres como estes, dentro de suas camas, não têm consciência do monstro que criaram? E agora, demagogicamente, o Sr. Bicudo e Arns vêm em defesa da democracia que tanto ajudaram a destruir? 

Outro “filósofo” partícipe da “defesa” da democracia, o Sr. Roberto Romano, em entrevista à Revista Veja, na data do dia 29 de setembro de 2010, falou algo que se aproxima de uma inverdade filosófica. Perguntado a respeito das inspirações intelectuais de Lula, ele responde: “Lula nunca foi um estudioso das teorias da esquerda. . .Isso vem desde seus tempos de sindicalista, quando mobiliza massas. Não é um conhecimento ao modo da esquerda clássica, que passaria pelo estudo da obra do italiano Antonio Gramsci ou da prática do revolucionário russo Lênin. É um conhecimento intuitivo. Digo isso porque, quando ele encontra resistências na imprensa, considera aquilo um desserviço direto à sua personalidade”. Ué? Por acaso Lula fabrica sua imagem sozinho? O séquito de gramscianos e marxistas que o apóiam não conta para a formulação e consolidação de sua personalidade autoritária e de seu poder pessoal? E desde quando o desprezo pela livre imprensa é uma qualidade apenas de Lula? Não me conste que Gramsci e Lênin desse ouvidos à liberdade de imprensa. O último, inclusive, achava um capricho bem burguês, eliminando-a, de fato, quando se tornou ditador da Rússia. 

O Conselho Federal de Jornalismo, que pretendia censurar a liberdade de imprensa, não foi idealizado por Lula, mas pelos leninistas e gramscianos que Roberto Romano tenta omitir dentro das estruturas ideológicas do petismo. Mesmo a Confecom, Conferência Nacional de Comunicações, reunião de jornalistas comunistas vendidos que exigem o “controle social” da imprensa pelo governo, provém justamente das cartilhas de Antonio Gramsci e Lênin. Apresentando assustadora desonestidade intelectual, típica de uma certa esquerda que finge ter desilusões com o totalitarismo, ele ainda acrescenta: “Nesse ponto, ele está mais próximo dos caudilhos sul-americanos.” Ou seja, ainda que Lula tenha o apoio das esquerdas latino-americanas e dos Partidos Comunistas, ainda que seu governo aplique, nas entranhas do Estado brasileiro, as teses gramscianas e leninistas de estrutura de poder, claro, a culpa da esquerda ser de esquerda nunca é da esquerda: é coisa de caudilhos de direita. Roberto Romano parte desse mesmo joguinho, numa certa “Carta à Esquerda”, em uma publicação de 04 de agosto de 2010, no Estado de São Paulo, onde critica a posição do governo Lula em relação ao Irã. Os seus exemplos de posturas consideradas “éticas” para a esquerda constituem um problema, por assim dizer, “ético”. Assim diz: “Caso os senhores ainda se imaginem na ala esquerda, deveriam atentar para a escolha de algo que define a sua dignidade: preferem a truculência palaciana ou a “avacalhação” da praça? Optando pela primeira, os senhores entram para o clube de Mussolini, Francisco Campos, Filinto Müller, Pinochet e similares. Se a escolha for pela segunda, aceitem os cumprimentos de Sobral Pinto, García Lorca, Pablo Neruda, Evaristo Arns, Vladimir Herzog”. 

Para esse tipo considerado “intelectual”, ser de esquerda já implica um valor ético por si mesmo. No estreito mundinho do Sr. Romano, não existe o século XX do totalitarismo soviético e similares. Quando as esquerdas são totalitárias, não são esquerdistas, são “fascistas”. Malgrado essa forma de raciocínio dialético-stalinista do século passado (rotular todo mundo aleatoriamente de “fascista” é uma invenção da propaganda da antiga NKVD soviética), ainda me pergunto e me escandalizo como um doutor da UNICAMP escreva barbaridades para defender alguém como Pablo Neruda, um puxa-saco de Stálin e do Partido Comunista, que dentre outras pérolas, apoiou a invasão da Tchecoslováquia pela União Soviética? Esse é seu exemplo de resistência? A questão de Roberto Romano e de alguns indivíduos da inteligentsia esquerdista é a de negarem a responsabilidade pelos fatos concretos de suas ideologias e militância. 

Os liberais e os conservadores que assinam este manifesto se enganam em achar que tal protesto contra o proto-totalitarismo petista esteja num universo de pluralismo político. Ainda que por falta de opção, o manifesto seja assinado por muita gente honesta e defensora dos valores democráticos, na prática, porém, é apenas briguinha de menchevique revoltadinho contra bolchevique. Kerenski, o menchevique socialista revolucionário da Duma, que armou os seus inimigos bolcheviques contra os conservadores, faria a mesma coisa. O Manifesto de Defesa da Democracia é a reclamação patética dos Kerenskis da vida que, ao darem de mãos beijadas o poder aos bolchevistas, choram a perda do próprio poder.

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