quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A abençoada atividade empresarial

Por Klauber Cristofen Pires

Jesus chamou-os e disse: «Sabeis como aqueles que se dizem governadores das nações têm poder sobre elas, e os seus dirigentes exercem sobre elas a sua autoridade. Mas entre vós não deverá ser assim: quem de vós quiser ser grande, deve tornar-se o vosso servidor, e quem de vós quiser ser o primeiro, deverá tornar-se o servo de todos”.
Marcos, 42:44

Certamente, aqueles mais religiosos têm conhecimento desta passagem e receberam dos seus padres e pastores a visão teológica deles a respeito do seu teor. Aqui vamos inovar um pouco, para trazermos uma abordagem um pouco diferente. Não se trata de interpretação diversa, como todos poderão comprovar, mas de ampliá-la ao limite das relações exercidas voluntariamente entre as pessoas livres.

Na aurora da humanidade, o exercício do poder armado praticamente impedia qualquer atividade produtiva espontânea. Mandava quem empunhava a espada ou quem a controlava. Há um ditado romano que dizia: "quem tem uma espada não passa fome". Era o tempo que que matar, escravizar, pilhar e esbulhar era algo simplesmente comum e até mesmo louvado pelos reis e autoridades e cantado pelos trovadores e declamado pelos poetas.
 
Sob tais condições, praticamente toda a produção agrícola e artesã vicejava somente quando cercada pela proteção de muralhas. Tratava-se de uma atividade que os economistas denominam de autárquica, ou seja, consistia em um grupo humano reduzido que tinha de tudo produzir por si próprio e para as necessidades de sua comunidade. Ademais, mesmo dentro destes microsistemas as funções entre os aldeões eram frequentemente determinadas pelo nascimento, e seus trabalhos amiúde eram realizados sem uma compensação objetivamente determinada.  Era uma economia de subsistência, em que o medo era o fator determinante e a proteção o sonho de consumo mais almejado.

Com a florescimento da civilização cristã, veio à tona a condenação moral do roubo e do assassinato, e mesmo as guerras tornaram-se, aos poucos, mais esparsas, propiciando assim períodos mais ou menos alongados de paz nos âmbitos regional, nacional e internacional. Graças a estas tréguas, os moradores de uma região puderam começar a trocar seus bens com os de outras plagas.

O estabelecimento de um comércio mais ou menos regular, por sua vez, permitiu a especialização da produção, já que reinava um clima de relativa segurança a permitir as viagens dos comerciantes e de suas caravanas, bem como a confiança entre os moradores de uma determinada localidade de que não sofreriam privações com a interrupção do fornecimento. Foi a especialização um gigantesco salto para o progresso da humanidade, dado que cada pessoa, aldeia ou província podia produzir aquelas coisas que eram mais propícias devido à terra, ao clima ou aos seus talentos.

Estamos então já a falar de homens e mulheres que trabalham e produzem para o bem de outrem; estamos considerando pessoas que se dedicam com muito afinco a produzir cada vez mais e melhor para que muitos e muitos semelhantes tenham acesso a bens que as nações guerreiras mais bem sucedidas não lograram obter: comida diversificada, roupas bem cortadas, livros, teatro, remédios, só para começar. O que a história reservou aos terríveis tártaros? Quem hoje trocaria a sua vida pela de um faraó?

A teologia tradicional investe no relevo moral de uma servidão voluntária absolutamente desinteressada. Não é do meu propósito incentivar ninguém a abdicar de tal ambição transcendental. A caridade é uma benção a mitigar os sofrimentos dos mais necessitados. Todavia, mesmo que todas as pessoas dessem de si totalmente, elas não teriam o financiamento suficiente para expandir o bem que desejariam espalhar.

Um mundo de comércio é um mundo de colaboração mútua. É um mundo em que os seres humanos das mais variadas nações e raças abdicam da agressão para trabalharem e produzirem em paz. Pessoas livres realizam comércio porque ele lhe é benfazejo, ou caso contrário não o fariam. Talvez a algumas pessoas prevaleça uma idéia distorcida da caridade segundo a qual as - outras  - pessoas deveriam servir sem retribuição, mas isto, servir sem espontaneidade, só tem um nome: escravidão.

A história tem demonstrado que os empresários mais bem-sucedidos foram aqueles que desenvolveram produtos e serviços para as pessoas mais pobres. Eles tornaram-se ricos ou milionários, não "mas" ou "porém", mas exatamente porque  melhoraram significativamente a vida de uma fatia majoritária da população que antes mal podia comer, o que atesta a passagem bíblica de "quem de vós quiser ser grande, deve tornar-se o vosso servidor, e quem de vós quiser ser o primeiro, deverá tornar-se o servo de todos."

Há quem não abra mão ainda hoje do charme de uma bela caneta-tinteiro,  mas alguém assim só melancolicamente idolatra o anacrônico dispositivo justamente porque ele representa - ou melhor, representava - um sinal de status de uma época em que tê-lo era algo muito dífícil à maioria das pessoas, bem diferentemente das eficientes e econômicas canetas esferográficas que hoje qualquer pessoa pode ter.

Não há muito tempo atrás, vigorava um ditado segundo o qual era possível julgar alguém por olhar-lhe os pés. Atualmente, a aplicação de tal máxima já se tornou mínima, desde que com meros trinta reais é possível conprar um sapato tão bom e bonito quanto os mais chiques, estes diferenciados somente por detalhes exclusivos.

O filósofo e economista Ludwig von Mises alertava para o erro grosseiro, herdado de eras cinzentas, de se apelidarem certos empresários bem-sucedidos de "o rei do algodão", ou "o czar do automobilismo", bem como as práticas comerciais de "guerra comercial", "conquista de mercados". Os empresários não são reis, nem se parecem minimamente com eles: são servos, obedientes ao mais inclemente dos mestres: o consumidor.

Termino este texto para salientar  - reiterar mesmo - aos empresários, desde aquele que vende um pastel frito na rua ao dono de uma grande rede de departamentos, que diferentemente do que apregoam as funestas doutrinas coletivistas e estatizantes tão em moda nos dias atuais, a atividade que desempenham é inerentemente boa e abençoada por Deus. De outra forma, Ele não nos concederia tamanha prosperidade, tão gigantesca que um pobre da periferia tem ao seu dispor mais conforto, saúde, segurança e instrução do que os reis e imperadores de antanho. O que os defensores de tão abjetas ideias procuram não é outra coisa que não emular-lhes o poder de viver às custas de quem trabalha e produz.              

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