O estado abusa ao cobrar impostos e encargos de terceiros que não lhes deram causa.
Por Klauber Cristofen Pires
Venho aos leitores trazer
uma discussão sobre dois assuntos que têm provocado extrema
inconformidade e indignação às pessoas que contratam serviços
terceirizados: a “responsabilidade solidária previdenciária” e
a “responsabilidade subsidiária trabalhista”.
Em todo o Brasil, milhares
de pessoas têm provado o gosto amargo do sentimento de injustiça,
por terem de pagar por algo que não fizeram e que não tinham
conhecimento. É sabido que a lei não autoriza alguém de se
esquivar à sua letra alegando ignorância, mas aqui justamente
comprova-se a extrema agressão ao direito natural, vez que se trata
de algo que um cidadão médio, sensato e responsável, não tem como
se precaver, a não ser que seja um expert em contabilidade ou
direito.
Ambas as formas de
responsabilidade referem-se à substituição de um devedor de
créditos previdenciários ou trabalhistas por outro que o estado
indique em seu lugar.
A
responsabilidade por créditos previdenciários é dita “solidária”
para prover o estado da prerrogativa de cobrar o crédito
previdenciário tanto da empresa prestadora de serviços quanto da
que lhe contratou (a “tomadora de serviços”), sem que haja uma
ordem de preferência pré-definida. Foi implantada pelo art. 31 da
Lei
nº 8.212./91 e suas alterações posteriores.
A responsabilidade
trabalhista, por sua vez, é dita subsidiária porque o trabalhador
há de receber primeiramente da empresa prestadora de serviços,
devendo recorrer posteriormente ao tomador de serviços em caso de
impossibilidade ou insuficiência deste de satisfazer os créditos
trabalhistas. Não tem origem legal, mas sim judicial, por meio do
enunciado nº 331 do TSTi.
A ideologia de ambas, a
responsabilidade solidária previdenciária e a responsabilidade
subsidiária trabalhista - firma-se no conceito de que é necessário
alargar as fontes de arrecadação, com a finalidade de suprir as
demandas da Previdência Social e os direitos dos empregados, mui
conhecidos no ambiente jurídico pela denominação sociológica de
“hiposuficientes”.
De fato, utilizando-se desta
ratio, legitima-se a vontade da lei. Mas qual é esta razão?
É aquela que diz que, estando o direito de uma pessoa pobre não
satisfeito, poderá o estado obrigar qualquer pessoa a cumpri-lo.
Porém, isto não me parece muito diferente do tempo em que os reis
impunham derramas ao povo pelo só fato de serem nobres. Cireneu não
era discípulo de Jesus Cristo, mas foi obrigado a carregar o madeiro
infame somente pelo fato de que ele estava ali por perto.
A doutrina tradicional do
direito, fundada com base nos costumes e estes, por sua vez, no
direito natural, houve por consagrar a “responsabilidade” a entes
que estão naturalmente conectados aos seus substituídos: assim é o
caso dos pais em relação aos filhos, e dos tutores e curadores para
com os pupilos e curatelados, por exemplo. Entretanto, com o avanço
do positivismo de Hans Kelsen e das teorias socialistas sobre o
estado, temos testemunhado a deturpação da razão de ser deste
instituto jurídico ao vê-lo alastrado para vários fins díspares,
fundados somente com base na prevalência do jus imperis
estatal, que legitima sua vontade como fundamento de validade
bastante e suficiente.
Assim é que se explica o
fato de haver emergido triunfante nos dias atuais a alegativa de que
exista um vínculo entre um tomador e um prestador de serviços
terceirizados. Na verdade, não há, nem sequer por um raciocínio
forçado. A figura artificialmente criada do tomador de serviços
nada mais é do que a do cliente ou do consumidor comum. Se eu
contrato um serviço de jardinagem, meu objetivo é obter um jardim
bem cuidado e em essência, isto em nada difere de contratar um corte
de cabelo, a lavagem do meu carro, uma cirurgia de coração ou a
produção de uma festa de aniversário. Por acaso alguém pode
imaginar um cliente reter 11% de sua conta no restaurante a título
de recolhimento do INSS, sob o argumento de resguardar-se da
responsabilidade solidária com relação aos cozinheiros e garçons?
Levado o particularismo
legal ao rumo da lógica, então temos que um empregado de uma
empresa de serviços terceirizados passa a gozar do direito de
possuir dois patrões, em franca vantagem ao de uma padaria, que fica
só com um. Vejam a que paradoxo nos conduz a neurose igualitarista
estatal.
O caso da responsabilidade
subsidiária trabalhista remete a sociedade ao inferno dantesco da
insegurança jurídica, porque jamais alguém haverá de saber se um
dia poderá ou não ser convocado pela Justiça do trabalho a assumir
o papel de fiador de qualquer prestador de serviços contratado lá
em algum lugar do passado.
Da parte dos fiscais do
trabalho, o que tenho recebido como resposta é que no Brasil
prevalece uma superutilização de serviços terceirizados por parte
das empresas. Notem como a usurpação de competências aqui é
exercida sem o menor pejo. Refiro-me à substituição do juízo do
empresário pelo dos oficiais do governo. Aliás, nem há de se falar
em pudor ou constrangimento onde resta absolutamente ausente a
consciência sobre o assunto.
A terceirização de
serviços nasceu de forma espontânea, como fruto das vantagens
advindas da especialização de funções. Por exemplo, é bem mais
barato a uma firma de segurança selecionar e treinar guardas do que
a uma loja de brinquedos, daí que a escolha por contratar uma
empresa para cobrir certas necessidades-meio pode ser uma alternativa
criativa e economicamente mais eficiente, vindo a resultar em
produtos melhores e mais baratos para os consumidores, ou pode, ao
contrário, resultar mal-sucedida. Não obstante, é ao empresário
que cabe decidir sobre a conveniência e oportunidade de lançar mão
de tal estratégia.
Vale destacar que o próprio
estado tem feito uso abusivo de serviços terceirizados, não
exatamente para valer-se das vantagens naturais que tal forma de
gestão propicia, mas justamente como meio de furtar-se à
contratação de servidores sob o regime estatutário, com todos os
ônus que acarreta e que foram criados pelo próprio estado! Ainda
muito pior, tem criado enorme confusão, a ponto mesmo de em alguns
órgãos terem sido emitidas normas de pagamento direto dos salários
e encargos dos funcionários das firmas por eles contratadas, medidas
estas que contrariam a própria razão de contratar tais serviços e
que suscitam indícios de vínculos empregatícios que podem vir a
ser apresentados como prova perante a Justiça Federal.
Importante ressaltar que os
trabalhadores já contam com exacerbado privilégio no concurso de
credores, segundo o caput do art. 186 do CTN: "O crédito
tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o
tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da
legislação do trabalho ou do acidente de trabalho”.
Reflitamos: o legislador que
colocou os créditos trabalhistas acima do concurso de credores
pensou com isto em proteger os direitos dos assalariados da empresa
falida, privilegiando-os em relação aos empresários (os credores).
Olvidou, todavia, que também os colocou em ordem de precedência em
relação aos empregados dos credores, porque eles também precisam
receber salários, que afinal, vêm dos lucros de seus patrões. Como
sempre, mais uma vez temos o exemplo de como o estado premia os
ineficientes e pune os responsáveis, diligentes e inovadores.
O legislador, desta forma,
equiparou os trabalhadores da empresa falida ao urubu-rei, o
majestoso pássaro carniceiro que desfruta da carcaça sozinho,
restando aos urubus “plebeus” as sobras somente após bastar-se
em sua refeição. Olvidou que os funcionários da empresa falida
compartilhavam com o patrão deles da responsabilidade pela má
condução dos negócios. Isto é especialmente contraditório quando
lembramos que os políticos e sindicalistas vêm cobrar dos
empresários que paguem bonificações de participação nos lucros
aos seus empregados.
Os legisladores não podem ter o poder de
legislar ao bel-prazer. A formação de uma assembleia constituinte
pressupõe um colegiado de pessoas que representa uma sociedade de
homens e mulheres livres. A elaboração de leis que constituam
agressões à vida, à liberdade e à propriedade destas pessoas
significa invalidar a constituição almejada, por transformar estes
atributos inalienáveis em precárias concessões. Trata-se de um
verdadeiro golpe e de uma autêntica inversão de titularidade do
poder, isto é, do povo para os governantes.
O espírito da lei
naturalmente justa que reza que nenhuma pena passará da pessoa do
condenado (CF/88, art. 5º, XLV) não se extingue na estrita esfera
penal, mas é o próprio corolário da liberdade, ao afirmar que cada
um será responsabilizado pelos seus próprios atos voluntários. Se
alguém tiver de ser responsabilizado por atos de outros, esta pessoa
não é homem ou mulher livre, mas um servo ou um escravo, ou pior,
um capacho. O mesmo se dá por alguém que venha a ser
responsabilizado por atos que não escolhe para si, a não ser
aqueles estritamente necessários para defender o sistema que lhe
garante a vida, a liberdade e a propriedade.
i
TST Enunciado nº 331 - Revisão da Súmula
nº 256
- Res. 23/1993, DJ 21, 28.12.1993 e 04.01.1994 - Alterada (Inciso
IV) - Res. 96/2000, DJ 18, 19 e 20.09.2000 - Mantida
- Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
Contrato
de Prestação de Serviços - Legalidade
I
- A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal,
formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços,
salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de
03.01.1974).
II
- A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa
interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da
administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37,
II, da CF/1988). (Revisão
do Enunciado nº 256 - TST)
III
- Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de
serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20-06-1983), de
conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados
ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a
pessoalidade e a subordinação direta.
IV
- O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do
empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos
serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos
da administração direta, das autarquias, das fundações públicas,
das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que
hajam participado da relação processual e constem também do
título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de
21.06.1993). (Alterado pela Res. 96/2000, DJ 18.09.2000).
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