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Os códigos morais, que vão desde as
orientações religiosas até as orientações jurídicas, só funcionam se existir um
tribunal interno dentro de cada um. Esse tribunal interno é a bifurcação da
vontade. Se a bifurcação da vontade deixar de existir, a pessoa automaticamente
deixará de ser um ser humano e nenhum código moral irá
funcionar.
Um ser humano que não tenha dilemas
morais é uma pessoa doente que caiu fora da espécie, porque não é possível viver
sem dilema moral. Apenas os animais irracionais vivem sem dilema moral algum. O
leão, por exemplo, é capaz de devorar os próprios filhotes recém-nascidos só
para acelerar o retorno do cio da leoa devido a suspensão da amamentação. Para
ele não há dilema moral, assim como para os demais animais irracionais.
Nós, humanos, embora torçamos para não ter nenhum dilema moral na
vida, na realidade acontece o contrário: nós passamos a vida inteira vivendo
dilemas morais. Alguns são completamente insolúveis. Como não sabemos o que
fazer, o jeito de lidar com isso é procurar um código externo que possa dizer o
que fazer. Um deles é o jurídico. O outro é o religioso, ou seja, fazer aquilo
que Deus gostaria que fizéssemos. Esta segunda opção é a solução para qualquer
dilema moral, vez que o código jurídico deveria, obrigatoriamente, derivar da
moral religiosa, ou seja, o direito positivo deve derivar, sempre, do direito
natural. Infelizmente não é o que acontece.
Os dilemas morais são de duas
naturezas: verdadeiros e falsos. Os dilemas são verdadeiros quando eles têm uma
natureza que se desdobra no tempo. Ao contrário, são falsos. Por exemplo, um
dilema que não é moral: “Quem é mais bonito, o Shrek ou o Antônio Banderas?”
Isso não é um dilema moral porque ninguém tem dúvida quanto a isso. A escolha
surge automaticamente, embora algumas escolhas possam recair no
outro.
Por outro lado, se a pergunta for “Coloco ou não coloco o meu
filho no Colégio Militar?” A pessoa só vai saber se a decisão foi boa ou não,
daqui a vinte anos, ou seja, no tempo. Portanto, os dilemas morais se
caracterizam por se desdobrarem no tempo. Assim, a pessoa nunca pode ter certeza
se tomou a melhor decisão no ato da decisão. Só o tempo dirá. É por isso que
existem códigos morais externos que decidem pela pessoa quando ela não sabe o
que fazer.
Se a pessoa não está feliz com os
códigos morais externos, sempre haverá a orientação maior. Em última análise,
façamos aquilo que Deus quer que cada um faça. Mesmo assim, e independente da
escolha, a pessoa não se livrará da dor de enfrentar o dilema moral, por mais
que ela utilize um desses três estratagemas:
1.
Fingir que para você não vale esse código, mas
outro;
2.
Fingir que você não é você;
3.
Fazer de conta que não há código moral
nenhum.
Pessoa alguma irá obter sucesso com nenhum dos três estratagemas,
porque no fundo, o que resta em última análise é tomar a decisão. Essa decisão
será sempre dolorosa, mas se for feita para o lado do bem, será muito melhor do
que fazê-la para o lado do mal.
Quando estudamos a ética, a moral ou qualquer outra coisa que o
valha, não dá para perder de vista essa visão que acabo de expor, senão corremos
o risco de ficar nessa conversinha mole de “ética disso”, “ética daquilo” etc.
Na realidade as pessoas perderam completamente a idéia e a verdadeira noção de
ética para submeterem a ética a uma espécie de colegiozinho do “politicamente
correto”, ou seja, seguir um conjunto de orientações de uma cartilhazinha
elaborada por um bando de psicopatas que se julga acima do bem e do mal.
Perdeu-se completamente a noção de que esse assunto é de consciência
humana.
A noção de que há um dilema moral só pode ser alcançada se a
pessoa fugir das três escapatórias amplamente utilizadas nos tempos atuais: a)
fingir que aquele código não vale para ela; b) fingir que não é com ela; c)
fazer de conta que não há código moral algum. Esses são os três tipos de mentira
que as pessoas estão utilizando o tempo todo. Elas “grudam” nessas três regras
escapatórias e criam uma realidade à parte que na verdade não é realidade
nenhuma, mas apenas uma fantasia que as pessoas assumem como aspectos da
realidade.
O problema fundamental que as pessoas têm, é a incapacidade para
destruir a confusão do processo que envolve a noção de realidade e fantasia. Se
não for promovida a distinção entre o que é realidade e o que é fantasia, o
problema permanecerá insolúvel e a única escapatória para livrar-se da dor do
dilema moral, será viver na mentira dos estratagemas ou assumindo o papel do
leão.
O sujeito que faz uma coisa ou outra é uma pessoa que caiu já fora
da espécie humana e não tem consciência disso.
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