Por Leonardo Fonseca de Olveira
Certa vez passeava por um antigo cemitério da cidade e eis
que me deparei com uma cena curiosa: um túmulo de um natimorto. Aquela criança
surgiu no ventre da mãe, durante nove meses, apenas para nascer morta. Porém, a
dignidade daquele ser permaneceu intacta. Por mais que não houvesse um nome
específico, por mais que não houvesse em si uma identidade, a criança tinha um
túmulo. Talvez o nome dela tenha ficado apenas na cabeça e nos sonhos
frustrados dos pais. Mas ter um túmulo é melhor do que ser jogado no ralo. A
sua existência efêmera foi sentida pela família. Ou melhor, faz parte agora do
túmulo da família. O nascituro, ao menos, tinha um sobrenome. Era uma morte que
fazia mais de um século.
Nesta época, as crianças que morriam, no imaginário da
população, eram consideradas “anjinhos”, tais como aquelas figuras barrocas com
asinhas no céu. E as perdas infantis eram muitas. A morte era um lugar-comum na
vida das pessoas de priscas eras. Neste aspecto, os cemitérios têm muitas
histórias de mortes para contar. A morte será comum a todos. Todos serão pó e
tão apenas pó. No entanto, cada morte será sentida diferentemente. E o túmulo
do nascituro demonstrou o quanto fez falta aquele ser que nem sequer chegou a
viver. Hoje, a morte de alguma criança ou mesmo de um jovem nos parece,
felizmente, bem mais rara. A vida melhorou qualitativamente a ponto de
possuirmos uma geração bem mais saudável. A juventude está imune a muitas
doenças. E vive-se mais.
Todavia, há uma campanha mundial pela
descriminalização do aborto, pela desumanização do nascituro. Este, mesmo o
saudável, não terá mais um direito à vida e a um túmulo, e sim à lata do lixo
hospitalar. As justificativas são as mais espúrias. Apela-se à propriedade da
mãe sobre o corpo. Ou que os fetos não seriam desejáveis. Ou que seriam
defeituosos. Ou que até seriam pobres demais. Na prática, porém, os túmulos não
serão mais nos cemitérios. Os próprios ventres femininos serão os túmulos, e a
clínicas de aborto, abatedouros.
Se não bastasse a matança dos pequeninhos inocentes,
cujo direito de nascer será recusado, os arautos da morte querem ampliar sua
sanha aos doentes e aleijados de todas as idades. A eutanásia é a bandeira de
“caridade” aos fracos. A inversão de valores não seria mais óbvia. Ajudar aos necessitados
é expressão de “sadismo” cristão para com o sofrimento humano. Como uma espécie
de catarismo, de revolta gnóstica contra a realidade, matar o corpo libera a
alma do sacrifício da vida. Morrer tornou-se um “direito”, um culto, uma
idolatria, um objeto de veneração dó ódio pela vida. Ou mais, as pessoas devem
se adaptar a um projeto idealizado de perfeição física e mental, sob pena de
serem eliminadas.
Houve pessoas que comemoraram, vergonhosamente, a
decisão do STF, pelo culto da morte. O anencéfalo, este ser imperfeito, foi
proscrito e usurpado de seus direitos. Antes, estes eram resguardados. Hoje,
ele pode ser exterminado, por não se adequar aos princípios da nova eugenia
neonazista disfarçada de caridade para com a mãe. Por mais que houvesse
evidências de que a anencefalia não significava necessariamente a morte, por
mais que houvesse exemplos de menores sobreviventes, o Supremo resolveu optar
absolutamente pela eliminação. Antes, as mortes naturais eram aceitas. Ninguém
se propunha a controlar a vida. Agora querem controlar e causar a morte. E se
antes, se chorava a ausência do morto, agora querem se livrar dos vivos.
Os cemitérios ensinam certa lição: cada ano de vida e
de morte registrado no túmulo é um retrato mínimo de vida que se foi. Alguém
ali viveu, com a força de seus ossos e carne aderidas a terra, ao fazer a
diferença. Pode ter feito o mal neste mundo, mas pagará pelos seus pecados
noutro mundo, se é que já não pagou neste. Quem duvidará disso passeando
pelos túmulos? Sem eles, a vida e a morte parecem não existir. Até o natimorto
tem o direito de existir lá. Para ser enterrado, é porque foi lembrado por
alguém e teve a dignidade de sua existência efêmera guardada. Teve um velório e
um funeral. Aquele ser no cemitério me causou grande impressão. . .
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Olá! Seja benvindo! Se você deseja comunicar-se, use o formulário de contato, no alto do blog. Não seja mal-educado.