Surreal projeto de emenda constitucional do senador Cristovam Buarque pretende incluir a felicidade no rol dos direitos sociais. Entenda o que isto pode significar.
Por Klauber Cristofen Pires
Se
arrependimento matasse...e dizer que andei escrevendo um artigo tecendo
críticas severas sobre um projeto de lei do senador Cristovam Buarque (PDT/DF)
que prevê a obrigatoriedade das escolas de nível fundamental e médio de
exibirem duas horas de filmes nacionais por mês...deveria conhecer melhor a
obra do exótico parlamentar antes de afiar a minha pena: afinal, ele só quer a nossa felicidade!
Não
acreditam? Pois conheçam o Projeto de Emenda Constitucional nº
19/2010, de sua autoria, que há de instituir a inclusão da expressão
“essenciais à busca da felicidade”, ao atual artigo 6º da Constituição Federal,
que passará a vigorar com a seguinte redação:
Art. 6º São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade,
a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (os grifos
são meus)
Cuidado,
prezados leitores: não se deixem levar pela preguiça e pela distração! Antes que muitos de vocês creditem a
iniciativa à mera vaidade pessoal do parlamentar, alerto que um
comuno-social-petista (o fato dele ser do PDT o inclui numa destas
denominações) não dá ponto sem nó, e aqui vai o pulo do gato, no texto da justificação da PEC acima citada:
Como já exposto, a expressa previsão do direito do indivíduo de
perquirir a felicidade vem ao encontro da possibilidade de positivação desse
direito, ínsito a cada qual. Para a concretização desse direito, é
mister que o Estado tenha o dever de, cumprindo corretamente suas obrigações
para com a sociedade, bem prestar os serviços sociais previstos na Constituição.
(grifos meus).
Bem
entendido, não se trata da felicidade individual, ou melhor, da felicidade
individualmente buscada pelos indivíduos, mas sim de uma felicidade de valor
pretensamente objetivo, definida e provida pelo próprio estado.
Consequentemente
ao primado hermenêutico segundo o qual não há palavras em vão no texto
constitucional, desde o ponto de vista apresentado pelo bizarro legislador,
habilitar-se-á o cidadão a exigir juridicamente a sua “felicidade” junto ao
estado sempre que este não cumprir com seus deveres de garantia dos direitos
sociais expressos no art. 6º e outros correlatos da Carta Magna. Porém, há uma
segunda interpretação, bem mais apropriada à linguagem ambígua típica dos textos
constitucionais e legais que envolvem o que chamamos de obrigações imputadas ao
estado.
Explico:
considerem, como exemplo, que determinada cláusula legal ou contratual estatua a
João o encargo de prover a educação de Pedro. Indubitavelmente, haveremos de reconhecer que João está
realmente obrigado a arcar com a educação de Pedro, visto que os custos sairão,
de fato, do seu bolso. Todavia, em sentido absolutamente oposto devemos
interpretar o vocábulo “obrigação”, quando se trata de imputá-la ao estado, uma
vez que este se remunera, em verdade, confiscando propriedade alheia por meio
dos tributos, de forma que, ao invés de um ônus, o que se tem aí é uma
autêntica prerrogativa, qual seja, a de uma reserva de mercado para um rol de
serviços em que os consumidores sim é que se comprometem compulsoriamente a sustentá-los
de acordo com o valor que o estado-fornecedor
estipular.
Interpretando
corretamente a norma, capacitamo-nos a enxergar o seu alcance por um outro
ângulo, especialmente aquele que os esquerdistas preferem não expor - por menos
por enquanto – e justamente levando em consideração que o estado é uma instituição
que por natureza não depende dos seus clientes para julgar a qualidade e eficiência
de seus serviços, pode-se concluir que será este a julgar os cidadãos; afinal,
convenhamos, não seria muito apropriado que uma pessoa “infeliz” venha a ser
admitida numa instituição pública de ensino superior, numa ordem ou conselho de
classe, ou quiçá, em um cargo público de provimento por concurso ou ainda,
eletivo, não é mesmo? No mínimo, um indivíduo assim mereceria ser “reeducado”, antes
que se lhe deleguem alguma função de responsabilidade, certo?
Então,
para que não restem dúvidas, no conceito do “senador da educação”, a felicidade
individual não passa de uma patologia:
Evidentemente as alterações não buscam autorizar um indivíduo a
requerer do Estado ou de um particular uma providência egoística a
pretexto de atender à sua felicidade. Este tipo de patologia não é
alcançado pelo que aqui se propõe, o que seja, repita-se, a inclusão da
felicidade como objetivo do Estado e direito de todos. (grifos
meus)
E
que tal espelhar-se no Butão, aquele exótico fim-de-mundo incrustado entre a
China e a Índia, de renda per capita de US$ 1.321.00 (147º entre as
nações)? Só para ter uma ideia, naquele paradisíaco reino as pessoas são
proibidas de ter acesso à TV e a publicações estrangeiras... Claro, trata-se de
uma eloquente medida de um governo extremamente zeloso no que se refere à
felicidade de seu povo...ou como diria um amigo meu, não existe mais curto
atalho para a felicidade do que a ignorância...:
… .Nesse contexto, como deixar de citar o Reino do Butão, que
estabelece, como indicador social, um Índice Nacional de Felicidade Bruta
(“INFB”), mensurado de acordo com indicadores que envolvem bem-estar,
cultura, educação, ecologia, padrão de vida e qualidade de governo,
determinando o artigo 9º daquela Constituição o dever do INFB. O artigo 20,
item 1 daquela Carta estabelece, na mesma esteira, que o Governo deverá
garantir a felicidade do Estado de promover as condições necessárias para o
fomento do povo. (grifos meus)
Mas
esperem, que o que já passaria de uma obra-prima do surrealismo para os reles
mortais não atinge o tedioso lugar comum para uma mente marxista, ou alguém em
sua sã consciência haveria de invocar a felicidade que o nosso gramscista congressista
pretende nos “garantir” citando como precedente histórico a Declaração de Direitos da Virgínia de 1776?
Só
para quem não sabe, mas o conceito de felicidade, segundo a revolução pela
independência americana, reporta-se justamente à prerrogativa de os seus
cidadãos perseguirem seus projetos com total liberdade e nenhuma interferência
estatal! Como é possível tal usurpação? A técnica é esta: ao invés de bater de
frente com termos e conceitos consagrados e absolutamente incompatíveis com as
ideias socialistas, agem como os cupins: apropriam-se deles, roem o miolo, depositando no vazio
deixado as suas defecções, mas cuidando de deixar a casca intacta!
Termino
aqui com uma reflexão complementar ao outro projeto de lei do mesmo autor, sim,
aquele que obrigará as escolas a exibirem filmes de produção cabocla, para esclarecemo-nos
mais acuradamente acerca dos propósitos colimados: Ao obrigar os estudantes a assistir as películas que não querem ver nem mesmo na cota obrigatória das tv's pagas, forçando-as até mesmo a redigirem resenhas sobre elas - Cristovam Buarque não quer
nos garantir a felicidade, mas estatizá-la. E ai de quem não se sentir feliz!
Klauber, muito bom teu texto. Rico e cheio de novas perspectivas. Digo isso, porque, alguns dias atrás, também escrevi sobre o tema: http://casal20ribas.blogspot.com.br/2012/05/felicidade-maravilha-ou-sobre-cantares.html
ResponderExcluirDepois de ter escrito o meu texto e, agora, lendo o teu, posso dizer que aprendi com a maneira como você abordou o assunto. Parabéns pela postagem.
Abraços sempre afetuosos.
Fábio.