Tenho
no meu iPad, descarregado de algum site de livros clássicos caídos
no domínio público, e invariavelmente avanço um pouco na leitura
cada vez que posso, o livro "Ensaios de Economia Política"
de Frédéric Bastiat, no qual o grande economista francês do século
XIX sempre recorria à imagem que o tornou conhecido: "o que se
vê" e "o que não se vê".
De
fato, a economia sempre produz resultados inesperados, alguns típicos
daquela lei das consequências involuntárias, que é desconhecida
pela maioria dos nossos dirigentes políticos.
Mas, hoje, refletindo sobre o "enésimo" evento ou fato que não se vê, a partir daquilo que se vê, resolvi consolidar essas reflexões que coloco à disposição dos meus leitores...
Mas, hoje, refletindo sobre o "enésimo" evento ou fato que não se vê, a partir daquilo que se vê, resolvi consolidar essas reflexões que coloco à disposição dos meus leitores...
Assim
é, se lhes parece...
Paulo
Roberto de Almeida
Existem
países perfeitamente fascistas, sem que se saiba...
Paulo
Roberto de Almeida
Sei
que a expressão fascista pode parecer extremamente forte, nos dias
que correm, para designar um país, mas é o que me veio à mente,
após acumular, mentalmente, dezenas e dezenas de exemplos banais,
corriqueiros, ordinários, redundantes, enfim, triviais, que
confirmam o que afirmo no título deste texto. Minhas observações,
não preciso estender-me a respeito, são retiradas do que leio na
imprensa diária, nas matérias de jornais internacionais, em blogs
de formadores de opinião, e também, por que não dizê-lo?, em
boletins partidários e de grupos políticos, enfim, um pouco de tudo
o que leio continuamente, regularmente, recorrentemente, todos os
dias.
Sei
também que os leitores podem achar que estou exagerando, já que,
para a maior parte das pessoas, a expressão “fascista” vem
sempre associada à imagem dos camisas negras, ou milícias armadas,
desfilando – a passo de ganso ou em qualquer outro estilo – sobre
fundo de cenários cinzentos, dominados por um ditador exaltado,
fazendo discursos de ódio e incitando a massa do povo contra um
inimigo qualquer. Mas essa é uma vinculação historicamente datada,
que enfatiza mais os movimentos reais que existiram na Europa do
entre-guerras (e por imitação em outras partes do mundo também),
do que a essência do “ser fascista”, que está presente cada vez
que alguns dos elementos abaixo domina o cenário público de um país
e penetra nas consciências das pessoas, sem que elas tenham sequer
consciência de que estão vivendo – que sabe até aceitando,
maquinalmente – num país perfeitamente fascista, em sua essência.
Essas
imagens estereotipadas de um regime fascista correspondem apenas à
sua superfície, ou embalagem externa, atualmente um tanto ridículas,
sobretudo depois que Charles Chaplin imortalizou a figura do ditador
ridículo em seu filme explicitamente vinculado a dois exemplos do
gênero, mas é claro que características externas não esgotam a
essência do que é ser fascista. Explico as razões de minha adesão
a essa expressão, para que meu título tenha mais consistência
empírica e venha ilustrado por manifestações concretas da
realidade que vivemos, atualmente, em países talvez conhecidos dos
leitores. Vejamos alguns fatos, não opiniões.
Em
qual país, senão num país fascista, o chefe de um dos poderes
constitucionais tenta subordinar, dominar, emascular, castrar ou
controlar os demais poderes, usando para isso de todos os golpes
baixos de que é capaz, inclusive os serviços de inteligência, a
sua “polícia política”, os seus esbirros partidárias, mediante
compra de consciências e de vontades, por meio da chantagem, da
corrupção, das insinuações diretas, da conquista por vantagens
materiais ou intimidação pura e simples?
Em
que país se observa uma tal concentração de poder, pela desmesura
e apropriação de recursos, monopolizados por quem controla as
alavancas de extração de recursos e de distribuição seletiva e
arbitrária desses recursos? Qual o país no qual o Estado central
consegue controlar frações importantes da riqueza nacional, sem que
a massa dos cidadãos, e sequer seus representantes eleitos, possam
controlar devidamente, e na mais perfeita transparência, a coleta, o
tratamento e a distribuição (com alguns descontos pelo caminho,
está claro) desses recursos? Esse país só pode ser um país
perfeitamente fascista, ainda que seus cidadãos disso não se
apercebam.
Em
que país o Estado central concentra mais e mais poderes e recursos,
fazendo com que indivíduos privados, em seu papel de produtores ou
de consumidores, sejam convertidos em dependentes obrigatórios desse
Estado centralizador e monopolista? Qual o país que coloca na lista
de pagamentos do Estado, ao mesmo tempo, o mais miserável dos
excluídos e o mais ricos dos seus milionários? Só pode ser um país
fascista.
Qual
o país no qual o mesmo chefe, ungido à condição de nosso guia,
líder genial dos povos, intérprete da vontade nacional, se pretende
iniciador de tudo de positivo que existe – segundo lista que ele
mesmo decretou como exclusiva de sua vontade – e passa o tempo
fazendo autoelogios e propaganda de si mesmo? Em qual país a máquina
pública é colocada a serviço do egocentrismo autista do chefe
supremo, e gasta rios de dinheiro fazendo propaganda enganosa sobre
suas virtudes inigualáveis e suas realizações inéditas? Tem de
ser num país fascista.
Em
qual país os órgãos de controle fiscal e econômico têm todo o
poder e arbítrio para invadir sua privacidade, decretar o que é ou
não válido em suas contas privadas, se permitir presumir intenções
ou ações passíveis de punição administrativa, pelo simples fato
que esse órgão pode decretar, ao seu bel prazer, o que os
indivíduos podem ou não podem fazer com seu patrimônio, renda ou
ganhos. Onde mais esses mesmos órgãos, mesmo quando pensam “fazer
o bem” aos empresários e trabalhadores, “decretando” um favor
qualquer no plano regulatório ou tributário, impõem um tal número
de normas e regulamentos tão complicados, sujeito a uma burocracia
kafkiana, que acaba tornando aquele favor um inferno adicional, digno
do mesmo escritor mas jamais por ele descrito em detalhes? Só pode
ser num país basicamente fascista, no direito e nas práticas.
Em
qual país, um outro órgão supostamente constituído para a defesa
da saúde pública, impede farmácias de vender chiclete e impede
cidadãos de alcançar eles mesmos uma simples cartela de aspirina
nas estantes das mesmas farmácias? Isso é fascismo puro.
Como
chamar um país que pratica racismo oficial, que pretende dividir os
cidadãos entre uma minoria dita desprotegida, e todos os demais
cidadãos, baseando-se para isso apenas na aparência externa, e que
recorre para dirimir casos duvidosos a tribunais raciais? Qual o país
no qual militantes da mesma causa racial, divisionista, segregadora,
ilegal, pretende tornar obrigatórias cotas raciais em todas as
esferas da vida pública, e quer ainda impor os mesmos critérios
sobre empresas e instituições privadas? Isso é fascismo no mais
alto grau de degeneração mental.
Qual
o país no qual o Estado se torna tão onipotente e avassalador que,
desde os mais simples cidadãos até os mais ricos empresários,
todos se sentem obrigados, compelidos, ou até mesmo o fazem
inconscientemente, a recorrer ao Estado como o nec plus ultra da
vida social, como o Deus ex machina de todas as soluções
possíveis aos problemas e dilemas dessa sociedade, como se não
houvesse outras forças na sociedade do que a do Estado que tudo
pode, tudo pensa, tudo provê, tudo supervisiona, em tudo interfere,
mesmo nas esferas mais recônditas da vida privada, como a educação
dos filhos, as opções sexuais das pessoas, o que elas podem ver ou
não na televisão, o que elas devem estudar nas escolas, enfim, tudo
o que perpassa a vida de cada um, da concepção até depois de morto
e enterrado? Já estamos aqui no fascismo total...
Em
que tipo de país, um partido hegemônico pretende controlar a
imprensa, determinar como devem ser organizados os meios de
comunicação, escolhe quem subsidiar nas artes e na cultura, repassa
dinheiro para os amigos do poder, escolhe quem vai ser o vencedor de
concorrências públicas (e que depois será obrigado a submeter-se à
extorsão financeira do mesmo partido), enfim, corrompe todos os
canais e instrumentos da administração pública e coloca militantes
descerebrados nas engrenagens do poder, para justamente ter o
controle de todas as instâncias da vida pública e privada dos
cidadãos? Já estamos vivendo num sistema fascista, com estas
características.
Que
nome dar a um país que se deixou dominar por um sistema de tipo
mafioso, e totalitário, em que a obediência total e absoluta é
devida ao semideus que controla o sistema e tem a palavra final sobre
o que pode e o que não pode nesse país? Em que tipo de país
mandarins oficiais, marajás estatais, corporações organizadas de
servidores ditos públicos, servem-se da máquina pública para fins
privados, chantageiam os cidadãos que necessitam dos serviços
públicos, submetem empresários que dependem desses serviços para
produzir renda e riqueza e no qual, as mesmas pessoas acham que
possuem um direito divino aos recursos públicos apenas porque estão
no Estado? Só pode ser um país fascista, isso é evidente.
Qual
o país no qual os ditos servidores não precisam prestar contas à
sociedade, têm direito à estabilidade imediata, se aposentam com
inúmeros privilégios – que já tinham antes na vida ativa – em
relação a equivalentes funcionais do setor privado, e ainda acham
que prestam um grande favor à sociedade? Em qual país acadêmicos e
trabalhadores ditos intelectuais acham que a sociedade lhes deve por
direito pagar salários elevados sem que disso eles necessitem
prestar contas, sem qualquer critério de produtividade ou de
resultados, como se fossem marajás entronizados numa torre de
marfim? Tem de ser um país de mentalidade e comportamentos
fascistas, está claro.
E,
finalmente, em qual país, senão num país fascista, todas essas
características ainda despertam admiração e orgulho, adesão
inconteste e louvores exagerados, como seu o chefe absoluto do Estado
total fosse a vontade eterna consolidada na figura em questão? Não
pode ser senão num país fascista.
O
fascismo, antes de exibir atributos materiais de tal ou qual
movimento ou partido político, e de se manifestar concretamente num
regime determinado, historicamente existente, constitui,
primordialmente, um “estado mental”, uma feitura especial da
psicologia humana que corresponde àquilo que alguns psicanalistas,
psicólogos ou sociólogos chamariam de “personalidade
autoritária”. O fascismo, antes de ser de direita, de esquerda, ou
de qualquer outra corrente determinada do pensamento político dos
últimos dois ou três séculos, emerge de pulsões e comportamentos
perfeitamente autoritários, e mesmo totalitários, implicando numa
vontade de dominação que parece resultar de algum desvio de
personalidade.
Não
se trata de um fenômeno ou processo puramente individual, mas deriva
de tendências psíquicas e mentais profundamente entranhadas no
comportamento individual e coletivo de milhares, talvez milhões de
indivíduos que, ao longo dos séculos, e provavelmente no decurso da
história humana conhecida, se alçaram a posições de mando e de
dominação com base nessa vontade extrema de mandar e dominar outros
seres humanos. O fascismo, em sua essência, é isso: uma pulsão
inexcedível para o comando e a dominação absoluta, uma
intolerância com respeito à liberdade humana e uma incapacidade de
conviver democraticamente, segundo os parâmetros de uma sociedade
normal, civilizada. O fascismo sempre é monopolizador, destruidor
das vontades alheias, monopolizador dos instrumentos de controle
social, arrebatador de todas as atenções e exigente de obediência
total e absoluta.
Pois,
ou eu muito me engano, ou tenho descoberto evidências empíricas,
factuais, materiais, de mentalidades, comportamentos, atitudes e
práticas fascistas aqui e ali, sempre que me volto para algum lugar,
percorro sua imprensa, leio o que escrevem seus “intelequituais”,
ouço as perorações de alguns de seus chefes políticos, e me
espanto, de verdade, ao constatar como meus colegas e concidadãos
não percebem que estão em face de um país fascista. A maior parte
da massa não tem, obviamente, condições de fazer um julgamento
elaborado a esse respeito. Mas eu me pergunto como acadêmicos,
pessoas bem informadas, empresários que se sacrificam para viver
dentro da lei (e pagam caro por isso), como todas essas pessoas não
se dão conta que estão vivendo sob um regime de tipo fascista?
Este
é mistério para mim...
Paulo
Roberto de Almeida
Berlim,
2398: 31 Maio 2012
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